SALOMÃO SCHVARTZMAN Z’L. UM AMIGO INESQUECÍVEL – POR GLORINHA COHEN

340_especial_5_1Ele sempre será lembrado como um dos jornalistas mais queridos do país e, sobretudo, como um homem de rara cultura, de gostos e gestos refinados, que sabia fazer e perpetuar amigos.


Dia 6 de agosto completou um mês que o jornalista, sociólogo e advogado Salomão Schvartzman fez sua passagem aos 83 anos de idade, e é com muita saudade que lhe presto esta homenagem. Isto porque tive o privilégio de sua amizade e minha admiração e respeito por ele iam muito além do seu profissionalismo, mormente pela forma descontraída com que tratava a todos, apesar dos elevados cargos que ocupou durante sua bem sucedida trajetória profissional.

Lembro-me muito bem quando, em 1977, fui convidá-lo para fazer o prefácio do meu livro de poesias “Universo Vazio” e ele, diretor que era da sucursal paulista da Revista Manchete, me recebeu com a elegância e simplicidade de sempre e aceitou de pronto, o que me envaideceu sobremaneira.

Nascido em Niterói (RJ), de família judaica, ele teve o seu avô e os tios maternos mortos no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, o que o levou a se tornar um crítico ferrenho do antissemitismo.

Sua carreira teve início no jornal O Globo na década de 60 e, aos 25 anos, ele veio morar em São Paulo, tendo sido âncora do programa Frente a Frente, durante onze anos, e do programa Momento Econômico, ambos da TV Manchete, onde também idealizou e produziu o Clássicos em Manchete, reunindo as principais orquestras sinfônicas do mundo.

Cobriu, em 1961, pela rádio Globo, o julgamento do nazista Adolph Eichmann e ganhou, em 1977, Menção Honrosa do Prêmio Esso de Jornalismo pela reportagem “Doca Doca: Por que mataria a mulher que amava”? Publicado na revista Manchete, o texto abordou o caso da socialite Ângela Diniz, assassinada no ano anterior em Búzios, pelo seu companheiro Doca Street.

Bacharel em Ciências Políticas e Sociais, formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo em 1983, Salomão atuou na rádio BandNews FM e no canal BandNews TV, onde ia ao ar com crônicas sobre variados temas, como política, economia, música e comportamento. Concluía seus programas com o bordão “seja feliz”.

E quando a Band lançou o Arte1, canal de TV por assinatura dedicado exclusivamente à cultura, Salomão comandou o Arte1 in Concert, que, segundo ele, era um programa “sem casaca”, no qual o texto era transformado em uma conversa com o ouvinte.

Em 2000, após o fim da Rede Manchete, Salomão transferiu-se para a Fundação Padre Anchieta, responsável pela TV Cultura e pelas rádios Cultura AM e FM, em São Paulo. Na rádio Cultura FM criou o programa Diário da Manhã, depois transferido para a rádio Scalla FM.

Atualmente ele estava em sua segunda passagem pela Rádio Cultura FM, novamente com o Diário da Manhã, e era colunista da BandNews TV, com apresentações diárias, em que abordava os mais variados temas, como política, economia, música e comportamento.

Ele sempre será lembrado como um dos jornalistas mais queridos do país e, sobretudo, como um homem de rara cultura, de gostos e gestos refinados, que sabia fazer e perpetuar amigos.

Veja abaixo os principais trechos de alguns dos discursos proferidos dia 19 de agosto na Hebraica de São Paulo durante homenagem que lhe foi prestada pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) e A Hebraica de São Paulo com uma cerimônia (Haskará):

DANIEL BIALSKI (PRESIDENTE DA HEBRAICA DE SP)

“Salomão foi um jornalista de destaque, mas, além disto, sempre fazia questão de dizer que tinha orgulho de ser judeu. Divulgava o judaísmo elencando as ações para o bem e sempre, ao lado da Anna, sua esposa, praticava o bem. Praticava o Idishe como lembrança da língua judaica praticada na Europa, especialmente com sua família e amigos como Marcos Arbaitman. Sempre bem humorado, transmitindo alegria, finalizava seus programas com a mensagem “seja feliz”. Foi um ícone e seu legado permanecerá por gerações”.

ANNA SCHVARTZMAN (ESPOSA)

“Tive a sorte de ter um companheiro maravilhoso por 38 anos e de termos uma grande cumplicidade. Uma das virtudes dele era o perfeccionismo em tudo que fazia. Tanto que nunca conseguiu escrever um livro sobre a sua vida, porque achava que esse não estaria perfeito. O prazer que ele tinha de ir à radio cedinho e estar lá pessoalmente gravando com toda a sua equipe era inenarrável. Sempre gostou do prazer de estar entre os colegas”.

FERNANDO LOTTENBERG (PRESIDENTE DA FISESP)

“Seja feliz! Este era o bordão criado pelo Salomão para encerrar seus programas. Começo desta forma para lembrar de um homem dono de uma voz inconfundível e de uma cultura abrangente, que tornavam um prazer constante a convivência e a interação com aqueles de tiveram o privilégio de com ele se relacionar.

E assunto nunca faltava em nossos encontros, ainda que breves. Afinidades eletivas comuns – para usar o título de Goethe, aqui em outro contexto – como a música clássica e o vinho eram o pretexto para uma conversa agradável, seja no antigo Teatro de Cultura Artística, seja na Sala São Paulo. Salomão era um grande apreciador da boa música – e profundo conhecedor da matéria.

A formação, como advogado e sociólogo, conferia a ele uma capacidade ímpar de ser um jornalista, que ao mesmo tempo instigava, mediava, e finalmente explicava de forma didática seus pensamentos. Em seu programa de televisão “frente a frente”, era dono de um estilo muito particular de apresentar e de entrevistar, obtendo do entrevistado as informações relevantes, com simpatia e leveza.

Em um mundo polarizado, no qual alguns se prevalecem de sua posição para destilar mensagens odiosas, mentiras e ofensas, Salomão primava pela elegância, cordialidade e era um envolvente contador de histórias: encantava o público, os amigos e a todos.

Salomão foi um judeu que projetou uma imagem importante no cenário nacional. Um homem de valor, culto, com credibilidade e reputação”.

PROF. DR.SILVANO RAIA (AMIGO)

“Conheci Salomão há mais de 50 anos, na inauguração do escritório de arquitetura de Maurício Schneider. Desde então, progressivamente, nos unimos por uma amizade na qual exultávamos nossas vitórias e chorávamos nossas tristezas.

Ao conviver com ele, nas mais diferentes circunstâncias, admirei sempre sua inteligência, sua argúcia, sua presença de espírito e seu bom humor. Procurou sempre crescer, muitas vezes, porém, o destino frustrou essa sua vocação. Ele, entretanto, incansável, todas as vezes recomeçou de novo, conseguindo readquirir a posição de destaque que sempre almejou. Persistiu quando todos pensavam que iria desistir.

De uma cultura musical crítica e excepcionalmente ampla, estimulava todos nós a conhecer e admirar essa expressão da cultura humana. Profundamente enraizado nos princípios do povo judeu, não cansava de enaltecer seus feitos atuais e ao longo da história. Perdi a conta de quantas vezes me repetiu o fato de que, com uma população de apenas 14 milhões, 129 judeus foram agraciados com o prêmio Nobel, ao contrário de um outro grupo com 1 bilhão e 200 milhões de seguidores, dos quais apenas 7 receberam essa láurea.

Resumindo, o que me lembro de Salomão Schwartzman, pode ser expresso por uma frase. Certa vez, li que a beleza da voz de Luciano Pavarotti decorria do fato de Deus ter lhe beijado as cordas vocais. Convivendo com Salomão, durante mais da metade de nossas vidas, estou convencido que Deus beijou sua mente e seu coração”.

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