MINISTRO LUIZ FUX ASSUME EM SETEMBRO A PRESIDÊNCIA DO STF – POR GLORINHA COHEN

359_first_1_1Primeiro judeu a ocupar o cargo máximo do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Luiz Fux foi eleito presidente no último dia 25 de junho com 10 votos favoráveis e um contrário. Isto porque é comum que o ministro que assumirá tal cargo vote em seu vice, no caso, na Ministra Rosa Weber. Ele toma posse em 10 de setembro no lugar de Dias Toffoli e comandará o STF durante o próximo biênio, prometendo atuar pela democracia e independência entre os poderes.

A escolha, feita através de um sistema de rodízio baseado no critério de antiguidade e que geralmente ocorre em agosto, foi adiantada em razão da pandemia.

Luiz Fux é filho de Lucy e Mendel Wolf Fux e nasceu no Rio de Janeiro no dia 26 de abril de 1953. Portanto, “carioca da gema”, conforme ele mesmo costuma dizer. É formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em 1976, exerceu a advocacia por dois anos, foi promotor de Justiça por mais três anos, até ingressar na magistratura em 1983, como juiz estadual, aprovado em primeiro lugar em concurso.

Em 2011, foi nomeado ministro do Supremo pela então presidente Dilma Rousseff, na vaga decorrente da aposentadoria do ministro Eros Grau, sendo empossado no cargo em março daquele ano.

Antes de entrar para o STF, Fux passou dez anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde se notabilizou pela especialização na área processual cível, presidindo a comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do novo Código de Processo Civil Brasileiro, concluído em 2010. Desde 1995 é professor titular de direito processual civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, além de ser Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas desde 2008.

Em 2011 recebeu a Medalha do Mérito Cívico Afro-Brasileiro da Organização Não-Governamental Afrobras e pela Faculdade Zumbi dos Palmares.

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Ministro Luiz Fux e Fernando Lottenberg durante a 46ª Convenção da Conib

(Foto: Eliana Assumpção)

“É um grande orgulho para a comunidade judaica brasileira ter o ministro Luiz Fux à frente do Supremo Tribunal Federal. Trata-se do primeiro integrante de nossa comunidade a assumir essa honrosa função. Com seu profundo conhecimento jurídico e seu humanismo, em linha com a tradição judaica de valorizar o conhecimento e a vida, Fux, que foi o keynote speaker na 46ª Convenção da Conib de 2015, saberá guiar o Supremo com a inteligência e a sensibilidade necessárias para este momento tão importante do nosso país”, disse o presidente da Conib, Fernando Lottenberg.

Na Convenção acima referida, realizada na Hebraica de São Paulo, Luiz Fux foi o grande homenageado e destacou que os valores judaicos estão presentes em seu trabalho: “O judaísmo é exigente com a postura humana, e o povo exige do juiz a mesma coisa. Os tefilim me fazem lembrar como deve atuar um juiz. Um na cabeça, a razão; outro, apontado para o coração, a paixão”.

359_first_1_3Glorinha Cohen e Luiz Fux

Também foi naquela ocasião que tive a honra e o privilégio de conhecê-lo, ficando encantada com a elegância de seus gestos e de suas palavras e sobretudo com sua simplicidade, própria apenas dos seres de primeira grandeza.

Mas, nem só das lides jurídicas vive o Ministro Luiz Fux. Surfista amador na juventude, ele é faixa preta de jiu-jitsu, faz musculação, é torcedor ferrenho do Fluminense e toca guitarra. A vocação pela música veio desde os tempos da faculdade, quando tinha um conjunto musical que se chamava The Five Thunders (Os Cinco Trovões) e ele cantava em uma boate chamada Don Quixote. E, mesmo como professor, continuou tocando guitarra nas festas dos alunos.

Para conhecer um pouco mais essa pessoa admirável que é Luiz Fux, leia abaixo alguns trechos do depoimento autobiográfico que ele deu, anos atrás, ao portal de internet da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para o projeto “Faculdade de Direito da UERJ — 70 Anos de História e Memória”.


“O ser é mais importante que o ter. Sou mais um homem que vive os grandes problemas existenciais do ser humano”.

“A minha família é de exilados de guerra, da perseguição nazista. Tenho origem judaica. Meu avô e a minha avó se reencontraram no Brasil, após três anos separados. A minha avó conseguiu vir primeiro, exilada, depois é que veio o meu avô. Chegando aqui, meu avô exerceu uma função bastante humilde. Ele vendia roupas para pessoas de classe baixa, nas populações mais carentes”.

“Meus avós morreram com uns 92 anos. Eles foram muito gratos ao fato de terem sido bem acolhidos no Brasil. Tanto que o meu avô também assumiu uma entidade que era casa de acolhida de idosos, pessoas mais velhas desvalidas. Já minha avó era presidente de uma entidade que acolhia crianças abandonadas, o Lar das Crianças Israelitas”.

“Nós nascemos na comunidade judaica, ali no Andaraí, pertinho da UERJ. Eu tive uma infância com as limitações naturais de filhos de pessoas que não tinham uma colocação, digamos assim, expressiva na sociedade. Meu pai era técnico em contabilidade e lutava com muita dificuldade para manter os filhos. Minha mãe era do lar, como eram as mulheres de antigamente. A minha primeira grande chance foi quando eu passei para o Colégio Pedro II. Era um colégio público que tinha uma qualificação de ensino muito destacada. O Colégio Pedro II deu-me uma boa base para que eu pudesse, então, depois, fazer o vestibular para a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que sempre foi rigorosíssimo. No Pedro II fiz o ginásio e o clássico. O primário foi no Colégio Liessin”.

“Eu era boy do escritório do meu pai. Acompanhei meu pai sair da atividade da contadoria para a advocacia. Ele me levava para freqüentar o fórum desde 14 anos de idade. Eu admirava os juízes, eu assistia aos concursos. Todos os escreventes me conheciam. Ele me obrigava a ir de terno e gravata com 14 anos. Fui admirando aquela liturgia, aquela solenidade que era característica do mundo jurídico. Meu pai sempre me deu uma noção muito exacerbada da ética. E, naquela oportunidade, o meio jurídico era um meio em que a moralidade, a ética, eram, pode-se dizer, os dois cânones maiores da profissão. Aquilo absolutamente me encantava”.

“Eu sou espiritualista. Dou mais valor a essas questões sensíveis do ser humano. Mesmo no exercício da minha profissão. O ser é mais importante que o ter. Sou mais um homem que vive os grandes problemas existenciais do ser humano. Gosto de pesquisar isso, de me dedicar a isso, gosto de ler sobre. Tenho verdadeira paixão pela leitura das vicissitudes da alma humana”.

“Cheguei muito cedo em tudo o que fiz porque nunca perguntei a ninguém qual era a minha hora. Eu sempre fiz a minha hora”.

“Minha formatura foi um grande festival, eram 300 formandos. Disputei arduamente e venci o concurso para orador de turma. Confesso sem qualquer pieguice, fui um estudante que lutei com bastante dificuldade. A UERJ era um padrão de referência. E, na época, infelizmente não existe mais, havia uma editora que dava um prêmio, que era o Prêmio Companhia Editora Forense. Formei a minha primeira biblioteca, porque ganhei o Prêmio por ter tirado em primeiro lugar durante os cinco anos de faculdade. Ganhei o que seria hoje R$3.000,00, aproximadamente, em livros”.

“Sou uma pessoa que tem muita fé, muita esperança, sou muito perseverante, tenho nos meus ideais a minha grande bandeira. Cheguei muito cedo em tudo o que fiz porque nunca perguntei a ninguém qual era a minha hora. Eu sempre fiz a minha hora. Nunca admiti, dentro da minha independência pessoal, talvez por tudo o que eu tenha passado desde 14 anos, que ninguém me dissesse qual era a hora que eu tinha para dar início a minha vida profissional”.

“Como magistrado, primeiro procuro ver qual é a solução justa. E depois, procuro uma roupagem jurídica para essa solução. Não há mais possibilidade de ser operador de Direito aplicando a lei pura”.

“O Brasil é um país que dá chance a todo mundo. E quem tem a chance e quem acha que está na sua hora, tem que procurar o seu caminho. A minha família, ela é uma família que me apoia. Então, ela não diz a minha hora. Ela acompanha a minha hora. Essa é a minha filosofia de vida. Então, às vezes, pago um preço caríssimo por isso. Eu me machuco muito, mas não desisto”.

“Tudo o que aconteceu na minha vida foi muito cedo. Fui juiz muito novo, o juiz mais novo da época. Hoje não, hoje há juízes mais novos. Passei no concurso da Magistratura com 27 anos, em primeiro lugar. Eu saí no Jornal Nacional, porque era uma coisa importante. Depois, fui o desembargador mais novo. Fui o Juiz de Alçada mais novo. E durante um bom tempo fui o Ministro mais novo do Superior Tribunal de Justiça”.

“Como magistrado, primeiro procuro ver qual é a solução justa. E depois, procuro uma roupagem jurídica para essa solução. Não há mais possibilidade de ser operador de Direito aplicando a lei pura. Nós aprendemos assim por força de um engessamento levado pela política de repressão, e que hoje não existe mais. Então, hoje é muito importante que o professor se despoje desse ranço da ortodoxia do ensino, de que fica vinculado a só uma questão legalista. O Direito vive para o homem, e não o homem para o Direito. É preciso dar solução que seja humana. A justiça tem que ser caridosa e a caridade tem que ser justa. É preciso estar atento às aspirações do povo, porque, no meu modo de ver, assim como o Poder Executivo se exerce em nome do povo, para o povo; o Poder Legislativo se exerce em nome do povo, para o povo; o Poder Judiciário se exerce em nome do povo, para o povo. A justiça é uma função popular. Na faculdade deve-se partir desse ensino com a cabeça bem aberta para tudo isso. Porque aí se formam pessoas que farão as suas opções”.

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