PESSACH 5781 (PÁSCOA 5781) – UMA HISTÓRIA DE DOIS LÍDERES – POR BERNARDO SORJ

Festejamos Pessach para lembrar que a liberdade só é possível se formos solidários e nos indignarmos com o sofrimento dos outros. Festejamos Pessach para lembrar que fomos escravos, e por isso devemos sempre confrontar toda forma de opressão. Festejamos Pessach para lembrar de nunca nos submetermos aos faraós, grandes e pequenos, e nem, sobretudo, de virarmos um faraó.

A história bíblica da saída do Egito contém dois relatos. O relato de Moisés, que vivendo na opulência da corte egípcia não suportou ver seu povo maltratado, e o conduz à liberdade; e o relato do faraó, um déspota incapaz de mudar de rumo. O Faraó, um tirano que nada aprende da catástrofe que ele mesmo alimenta, e Moisés, que usa a catástrofe para liderar seu povo para uma vida melhor frente às pragas que assolavam o seu país, e que acabariam se os israelitas fossem liberados. O faraó não aceitava que sua onipotência fosse questionada, que um poder maior o exigisse a mudar de conduta. Um faraó insensível, que preferia ver seu povo morrer a reconhecer seus limites. Um faraó cego pelo poder, que se alimentava de ódio, que não sabia o que é a compaixão.

As pragas, pelo sofrimento que produzem, nunca devem ser celebradas, mas sim lembradas, pois nos ensinam que a vida está composta por incertezas, que o inesperado está sempre à espreita, que sempre estaremos enfrentando o desconhecido. Perante elas, dependeremos do esforço de todos, da solidariedade e do apoio mútuo e, quando possível, de líderes preocupados com o bem comum, que transmitam esperança apesar da difícil travessia.

Festejamos Pessach para lembrar que a liberdade só é possível se formos solidários e nos indignarmos com o sofrimento dos outros.

Festejamos Pessach para lembrar que fomos escravos, e por isso devemos sempre confrontar toda forma de opressão.

Festejamos Pessach para lembrar de nunca nos submetermos aos faraós, grandes e pequenos, e nem, sobretudo, de virarmos um faraó.

O nosso faraó interno, que não enxerga nem escuta, que é ignorante porque pensa que sabe tudo, e substitui o poder do sentimento pelo sentimento do poder.

O faraó que habita dentro de nós, em nossa vontade de que os outros se submetam aos nossos desejos, em nossa dificuldade de conviver com o diferente.

O faraó que humilha, que ofende, que desrespeita os mais fracos, que circula entre a indiferença ao sofrimento e o ódio a todos que o incomodam por não aceitarem se submeter à sua vontade.

Porque viemos de longe, lemos os textos da tradição à luz da experiência e da sabedoria acumulada.

Porque sabemos que os textos são sagrados quando servem para santificar a vida.

Porque quem foi perseguido não pode ser cúmplice de nenhum tipo de perseguição, nem quem foi estigmatizado pode aceitar que alguém o seja.

Porque ser livre exige conviver com crenças diferentes, dissonantes das nossas, aceitando que todo problema tem várias soluções, e toda pergunta várias respostas.

Porque o passado nos traz ensinamentos para o presente, celebramos Pessach e agradecemos:

Shehechyanu, ve´quimanu ve’higuianu lazman haze.

Que vivemos, que existimos, que chegamos a este momento.


BERNARDO SORJ

Bernardo Sorj, cursou o B.A. e M.A. em História e Sociologia na Universidade de Haifa, Israel, e obteve o título de Ph.D. em Sociologia na Universidade de Manchester, Inglaterra. Foi professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, do Instituto de Relações Internacionais da PUC/RJ e professor titular de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi professor visitante em diversas universidades e centros de pesquisa na Europa, Israel e nos Estados Unidos. Autor de 30 livros publicados em várias lingas e mais de 100 artigos acadêmico. Atualmente é diretor do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e de Plataforma Democrática.

bernardosorj@gmail.com

www.bernardosorj.com

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