CÃO COMO “TESTEMUNHA” E OS PODERES CONFERIDOS AO JUIZ – POR MOYSES SIMÃO SZNIFER
O caso é real e foi amplamente divulgado pela imprensa e reproduzido em inúmeras redes sociais. Trata-se do episódio em que um cão foi convocado a comparecer a uma audiência destinada a instrução processual de uma demanda no foro da cidade do Rio de Janeiro.
Duas famílias disputavam a guarda do animal, que teria sido “convocado” como “testemunha-chave” para a resolução do processo. No caso, a dona do cachorro confiou sua guarda a uma amiga por um determinado período, no entanto, esta se apegou ao animal mudou o nome dele e se recusava a devolvê-lo.
Conforme noticiado, a controvérsia foi solucionada, após o cãozinho ficar cara a cara com o juiz e com as duas famílias. Chegou-se a um acordo entre os litigantes: o animal foi restituído à sua legítima proprietária e a amiga ganhou o direito de ficar com ele todos os sábados, das 10:00 às 17:00 horas.
É óbvio que o animal jamais poderia servir como testemunha. Entretanto, o episódio em foco, com a inusitada presença do cachorro em audiência judicial, nos conduz a fazer uma breve reflexão acerca dos poderes conferidos ao juiz.
Com efeito, o artigo 139 do Código de Processo Civil determina que é o juiz quem deverá dirigir o processo com a incumbência de:
I – assegurar às partes igualdade de tratamento;
II – velar pela duração razoável do processo;
III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;
VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;
VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;
VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso;
IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;
X – quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 , e o art. 82 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 , para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.
Além disso, de maneira esparsa o Código de Processo Civil vigente conferiu diversos outros poderes ao Juiz, cumprindo destacar os seguintes:
a) O artigo 191 que permite ao juiz e às partes a elaboração de um calendário processual;
b) Pelo artigo 322, § 2º o Código permite ao juiz interpretar o pedido conforme o conjunto da postulação, observando o princípio da boa-fé;
c) Segundo disposto no artigo 352 ao juiz é permitido determinar a correção das alegações do réu;
d) Já o artigo 370 permite ao juiz de ofício determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
e) Pelo estabelecido no artigo 372, o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
f) Outro relevante poder foi atribuído pelo artigo 373, § 1º, ao permitir ao juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada.
g) O juiz poderá também determinar de ofício a realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida, conforme faculdade conferida pelo artigo 480.
h) A realização de Inspeção Judicial é admitida pelo artigo 481, nos seguintes termos: O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato que interesse à decisão da causa.
Verifica-se assim que, embora não seja uma providência habitualmente utilizada, a determinação de comparecimento do animal em audiência encontra-se inserida dentre os poderes conferidos ao juiz pelo estatuto processual.
Moyses Simão Sznifer – Advogado/Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP; Especialista em Contratos e Obrigações pela ESA/SP; Ex-Membro do Ministério Público da União; Professor Universitário.