O INDESTRUTÍVEL PODER AGREGADOR DA SOLIDARIEDADE X O PERTURBADOR VIÉS ANTISSEMITA DA ANISTIA INTERNACIONAL – POR PAULO ROSENBAUM
O mundo do pós-guerra gerou uma radical rearranjo das forças políticas e uma transformação nas alianças estratégicas. Menos de 15 anos depois, o mundo foi surpreendido com as tensões da guerra fria e suas repercussões, com novos alinhamentos. Nas transformações que o mundo sofreu nestes 77 anos uma constante permaneceu perturbadoramente incólume. Perturbadora, pois ela esteve na raiz do início dos conflitos, não apenas como pano de fundo, mas como prenúncio de tempos em que a pregação do ódio e da intolerância se legitimaram sob a retórica dos totalitarismos. Imaginávamos, como tantos, que pela brutalidade e extensão da tragédia da Shoah uma consciência emergisse por coação, quase como uma necessidade, uma imposição civilizatória auto preservadora da humanidade que coibisse o fanatismo e a selvageria.
A fundação do Estado de Israel em 1948, funcionaria como o corolário desta necessidade de paz, e de que os conflitos poderiam sofrer uma intermediação bem-sucedida, sob a influência da cultura da não violência e do dialógico em aproximações sucessivas. Vale dizer, Israel seria o símbolo vivo dessa consciência que nasceu sob intensa pressão.
Infelizmente, não foi isso que testemunhamos.
E desdobramentos deste gênero vêm acontecendo, apesar de todas as tentativas e concessões feitas, apesar dos avanços dos acordos de paz que culminaram com o histórico registro das negociações de Oslo, apesar de todas as tentativas de cooperação para criar dois estados, estabelecer um status definitivo para regiões em disputa e resolver o problema dos refugiados (leia-se o excelente recém-publicado “A Guerra do Retorno”) que aliás nunca foi exatamente trazido para a opinião pública como uma narrativa fiel aos fatos.
Havia, além disso, um motor nocivo, bem alimentado e muito bem financiado operando nos bastidores – e acima — das redes diplomáticas. Uma engrenagem de sabotagem que nunca cessou, que jamais foi desmantelada após a desarticulação da quadrilha nazista e sua bem articulada ideologia de natureza supremacista e antissemita, vale dizer antizionssemita.
Trata-se de uma ideologia que prosseguiu operando nos corações e mentes inicialmente no Oriente Médio, mas também na cultura europeia, para enfim, nos meados do século XXI, contaminar e infectar o mundo com uma toxicidade jamais vista.
A explosão de antissemitismo – sob a velho e tingido manto do antissionismo – não conseguiu mais disfarçar sua natureza segregadora, e abertamente inimiga das tendências pacificadoras. Da negação do holocausto, às teorias conspiratórias que indistintamente demonizam judeus e Israel na mesma proporção, do jihadismo justificacionista à insólita união da extrema direita e extrema esquerda xenófobas e/ou nacionalistas, formou-se um perigosíssimo movimento global, neste momento particularmente obcecado em boicotar o estado hebreu e seus habitantes.
Muitas vezes, usando manobras como desinformação, calúnias, chegando à ilegalidade como a exortação de violência e incentivar terror contra judeus no mundo todo. O mais recente foi o relatório de notória desonestidade intelectual da Anistia Internacional, usando um velhíssimo lema e acusando o estado hebreu de “aparhtheid” (sic). Evidentemente usando o slogan a partir de um viés de orientação ideológica onde, basicamente, quem opera a máquina de difamação já mostrou seu caráter – oxalá designasse uma tendência a justiça – tendencioso. Mas esta não é mais apenas uma mancha inaceitável nas instituições, que se enfraquecem na medida que são dominadas no pela necessidade de justiça, mas de obedecer agendas e cardápios de uma ideologia anacrônica. Se o neonazismo cresce, cresce também os seus antípodas na extrema esquerda – cujo projeto de poder compartilha mais pontos do que gostariam de admitir tais como como apoio a regimes tirânicos, controle da imprensa e cerceamento da liberdade individual – e passam a operar quase juntos numa ampla frente de antissemitismo justificacionista.
Notava-se, portanto, uma explosão de ódio e ressentimentos represados. Ódio que vem culminando em hostilidades e narrativas antissemitas espalhados por todo o mundo, especialmente no velho continente chegando, mais recentemente, aos Estados Unidos. E a própria ONU que deveria ser o baluarte da equanimidade e o berço da interlocução entre os povos e nações — quem poderia imaginar- tem adotado um bias anti-Israel. A UNRCH, comissão de direitos humanos daquela entidade, por exemplo, emitiu 148 resoluções condenando governos do mundo todo 49% delas contra Israel. Nos últimos anos das 123 condenações, 83,7% tiveram como alvo o governo israelense. Desconfiam? Apenas olhem para os números: trata-se de uma auto-evidência.
E aqui, sim, sob os nossos olhos, acontece o flagelo da repetição de erros antigos. As mídias mundiais vêm ecoando com timidez e neutralidade excessiva notícias que mereceriam indignação, ultraje, denúncia e posicionamentos enérgicos. Aceitam, com naturalidade, aberrações que deveriam estar extintas, relegadas ao limbo histórico. É inegável que avanços favoráveis importantes existiram no período, cito, por exemplo, os acordos de Abrahão e um maior fluxo de diálogos interculturais, porém, infelizmente eles não chegam ao conhecimento da opinião pública com a mesma facilidade dos vitupérios e insinuações maledicentes contra os judeus.
Diante de contexto tão adverso, a grande novidade está no surgimento de organizações corajosas e ativas como o “honest reporting” e o “fique conosco” entre outras tantas. São instituições como o StandwithUs que lutam pelo esclarecimento, discernimento e a verdade, construindo o trabalho de elucidação para o grande público. E que, ao mesmo tempo, adota uma conduta democrática e ponderada evitando a postura partisã, inclusive, quando necessário, criticando posicionamentos de extremistas israelenses.
São estes institutos e seus colaboradores que dão voz às denúncias e que se insurgem contra as perseguições antissemitas, vale dizer, antizionssemitas. E, simultaneamente, condenam a violência e a intolerância, venha de onde vier. As campanhas coordenadas por várias entidades, entre as quais a Standwithus (fiquem conosco), não apenas honra a tradição do idish kait (cultura judaica) na defesa de uma tradição civilizatória, mas promove a cultura da paz. Cultura que tem como prerrogativas a coexistência dos povos, a liberdade política e religiosa, o respeito ao sagrado e às suas tradições.
O caminho judaico de resolver os problemas será sempre jogar mais luz nas questões, em oposição ao obscurantismo, sensacionalismo ou escalar os conflitos. Isso, mesmo, ou especialmente, quando lidando com temas difíceis, sobretudo os mais espinhosos. Mas imporemos uma pequena particularidade: a luz pode e deve vir do entendimento, mas não nos furtaremos ao direito de denunciar aqueles que instrumentalizam a informação para, ao desviar-se da interlocução – usa a calúnia como arma de guerra em propagandas maciças de desgaste como acaba de fazer a Anistia Internacional.
Portanto, fiquem conosco, estar juntos é a reposta mais eloquente à intolerância, e, sobretudo, um exemplo do indestrutível poder agregador da solidariedade.
Shalom.
Paulo Rosenbaum
Paulo Rosenbaum nasceu em São Paulo em 1959. É médico e escritor. Possui Mestrado em Medicina Preventiva, Doutorado em Ciências e Pós-doutorado em Medicina Preventiva pela USP, com mais de uma dezena de livros publicados na área. Escreve, regularmente, para o jornal Estado de São Paulo, no blog “Conto de notícia”. Roteirista e produtor de documentários, atuou como editor de revistas científicas no campo da saúde. É pesquisador na área de clínica médica, semiologia clínica, relação médico-paciente, prevenção e promoção da saúde e pesquisa de medicamentos. Além de ensaísta, é poeta, contista e romancista. Antes de Navalhas pendentes, publicou os romances: A verdade lançada ao solo (Record, 2010) e Céu subterrâneo (Perspectiva, 2016).