DR. PAULO KAUFFMAN, CIRURGIÃO VASCULAR – POR GLORINHA COHEN

Quando o assunto é cirurgia vascular, o primeiro nome que nos vem à mente é o do Dr. Paulo Kaffman, considerado um dos mais notáveis profissionais de sua área.

Nascido em São Paulo, em 3 de junho de 1940, como bom geminiano traz em sua personalidade as características do seu signo: é simpático, amável e excelente comunicador, se constituindo numa das pessoas mais admiráveis que tenho o privilégio de conhecer. Low profile por natureza, é casado com Beatriz, tem três filhas e 7 netos e estudou no Colégio Carlinda Ribeiro (ginasial), escola que existia na Vila Mariana, no Colégio Bandeirantes e na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde ingressou em 1.964.

Mas, se for conversar com ele sobre esportes, saiba desde já que eles estão entre suas paixões e que, quando estudante, integrou as equipes de futebol, basquete e remo da FMUSP, tendo participado de diversas competições como a Med-Nav (com a Escola Naval) e, principalmente, a Mac-Med, tradicional competição, na época, entre a FMUSP e o Mackenzie. Hoje, o time do coração é o São Paulo Futebol Clube.

Em se tratando de medicina, a influência veio de um tio que era médico e jamais pensou seguir outra carreira que, aliás, foi sempre marcada por uma sucessão de vitórias. Dentre outras atividades, o Dr. Paulo Kauffman trabalhou como Professor-Assistente Doutor da Disciplina de Cirurgia Vascular do Departamento de Cirurgia da FMUSP – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde permaneceu até 2010, quando foi aposentado compulsoriamente; ministrou aulas nos curso de graduação e pós-graduação da FMUSP e de outras faculdades e diz com orgulho ter orientado e ajudado os residentes a realizar cirurgias vasculares, sendo, inclusive, orientador de alunos da pós-graduação. Foi diretor da Cirurgia Vascular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões – Capítulo de São Paulo, organizando atividades da especialidade nos congressos patrocinados pela sociedade médica e Diretor do Departamento de Pronto Socorro da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo até sua extinção.

Nesta entrevista ele esclarece, dentre outros, temas como angiologia, cirurgia vascular, varizes, formigamento nas pernas, hiperidrose e explica porque é tão importante o controle do diabetes e a interrupção do tabagismo nas doenças das artérias. Ademais, traz à tona os encantos e desencantos que encontrou na medicina e traça um panorama da saúde no Brasil.


GC – O senhor é cirurgião vascular. O que o levou a escolher esta área?

PK – Eu sempre quis fazer uma especialidade cirúrgica. Em princípio pensei em fazer ginecologia e obstetrícia por influência do meu tio. Como estudante, tive oportunidade de ajudá-lo em cirurgias ginecológicas e em partos que eram realizados no extinto Hospital Matarazzo. Inclusive, como quartanista, fiz um estágio de um ano, com plantões semanais, na Casa Maternal no Tatuapé, local que me propiciou muito conhecimento da especialidade. Quando eu estava passando do 4º para o 5º ano da Faculdade, um colega e muito amigo meu que estava passando do 5º para o 6º ano me perguntou se eu não gostaria de substitui-lo como estagiário no serviço de cirurgia vascular, participando das reuniões científicas noturnas e auxiliando cirurgias realizadas pelos professores da Faculdade. Aceitei o convite, aprendi muito com os mestres e me apaixonei pela especialidade que adotei desde então.

GC – O senhor é uma pessoa aparentemente calma. Mas, tem alguma coisa que o tira do sério?

PK – Deslealdade e injustiça são duas condições que não tolero.

GC – Tem algum hobby?

PK – Gosto muito de futebol que joguei muito na Faculdade (que saudade das Mac-Meds!). E ainda bato uma bola com meus netos (evidentemente só distribuindo o jogo ou jogando no gol enquanto eles correm atrás da bola).

GC – Fale-me uma pouco de sua trajetória profissional.

PK – Após completar o curso colegial, fiz meu 1º vestibular para a Faculdade de Medicina da USP em 1958 , tendo ficado como 2º excedente. Nesse ano frequentei o Curso Brigadeiro, que existia na época, preparatório para o vestibular, que prestei, pela 2ª vez , em 1959, quando então entrei em 2º lugar(nesse ano, 2 judeus entraram nos 2 primeiros lugares: a Bacia Kaplan e eu). Após completar o curso médico, fiz 2 anos de residência em cirurgia geral no Hospital das Clínicas de São Paulo, fui estagiário do serviço de cirurgia vascular durante 4 anos e, em 1972, defendi minha tese de doutorado e, após concurso, fui admitido como Professor-Assistente Doutor da Disciplina de Cirurgia Vascular do Departamento de Cirurgia da FMUSP, onde permaneci até 2010, quando fui aposentado compulsoriamente. Ministrei aulas nos curso de graduação e pós-graduação da FMUSP e de outras faculdades, orientei e ajudei os residentes a realizar cirurgias vasculares, fui orientador de alunos da pós-graduação, participei regularmente de congressos médicos de minha especialidade e de outras quando convidado, fui membro de bancas examinadoras de concursos de mestrado e doutorado, escrevi capítulos de livros de minha especialidade, tendo, inclusive, sido autor e editor de alguns deles. Fui Diretor do Departamento de Pronto Socorro da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo até sua extinção. Atualmente atuo no meu consultório particular e opero, preferencialmente, nos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês. Sou membro do Conselho Editorial do Jornal Vascular Brasileiro. Continuo participando de congressos médicos, reuniões científicas, escrevendo capítulos de livro e estudando muito porque a evolução dos conhecimentos na medicina é dinâmica; todos os dias surgem novidades na área.

… a hiperidrose é uma manifestação clínica extremamente desagradável que acomete, em geral, pacientes jovens; ela interfere na qualidade de vida do paciente, pois é constrangedor permanecer constantemente com as mãos molhadas. Calcula-se que 1 a 3% da população tenha algum grau de hiperidrose.

GC – Sei que o senhor escreveu vários livros. Cite alguns deles.

PK – Como já disse anteriormente, escrevi vários capítulos de livros de minha especialidade. Nas últimas edições do livro referência mundial da especialidade, conhecido como livro do Rutherford, eu e o Nelson Wolosker fomos os únicos autores brasileiros a escrever um capítulo, especificamente sobre simpatectomia torácica videotoracoscópica. Como autor e editor, editei 2 livros para médicos e 1 livro de medicina para leigos, a saber:” Interfaces da angiologia e cirurgia vascular” em colaboração com o prof. Pedro Puech-Leão; “Hyperhidrosis- a complete guidetodiagnosisand management” em colaboração com Marcelo Loureiro, José Ribas e Nelson Wolosker; “Saúde- entendendo as doenças”, livro de medicina para leigos com a colaboração do clínico geral Alfredo Salim Helito.

GC – O senhor foi um dos responsáveis pela introdução da simpatectomia torácica vídeo-toracoscópica no Hospital das Clínicas. O que vem a ser isto?

PK – Até o final da década de 1980, a simpatectomia cervicotorácica era feita com incisão aberta por cima da clavícula e tinha como principal indicação problemas circulatórios nas mãos. Com essa técnica tratamos poucos casos de hiperidrose palmar(excesso de suor nas mãos). A simpatectomia promove dilatação dos vasos e seca as mãos. A simpatectomia aberta era uma cirurgia delicada, pois tínhamos que dissecar e afastar vasos e nervos importantes da região para chegar na cadeia simpática. A partir da década de 1990, começaram a surgir artigos na literatura chamando a atenção para uma maneira mais simples de se realizar a simpatectomia cervico-torácica: a via videotoracoscópica, onde, com duas mini incisões no tórax e com sistema de vídeo, podíamos identificar facilmente a cadeia simpática e ressecá-la ou cauterizá-la, sem que tivéssemos que manipular vasos e nervos maiores. A partir dessa época, eu (cirurgião vascular) e o Ribas( José Ribas Milanês de Campos- cirurgião torácica) nos associamos, fomos dissecar cadáveres para entendermos melhor o procedimento cirúrgico e começamos a realizar esse procedimento no hospital das clínicas, principalmente para tratar pacientes com hiperidrose palmar e axilar. Já realizamos mais de 2.000 simpatectomias com essa finalidade (a hiperidrose é uma manifestação clínica extremamente desagradável que acomete, em geral, pacientes jovens; ela interfere na qualidade de vida do paciente, pois é constrangedor permanecer constantemente com as mãos molhadas. Calcula-se que 1 a 3% da população tenha algum grau de hiperidrose). No final da década de 1990, operamos uma jornalista que nos levou a participar do programa do Jô Soares. A partir de então, aumentou muito o nº de pacientes que passou a procurar o Hospital das Clínicas com essa manifestação clínica. Foi então que, com a anuência dos professores titulares da cirurgia vascular e da cirurgia torácica, eu e o Ribas inauguramos o ambulatório de hiperidrose no Hospital das Clínicas, onde contamos hoje com a imprescindível participação do professor Nelson Wolosker, responsável pelas principais publicações, em revistas nacionais e internacionais, relacionadas à hiperidrose.

GC – Qual a diferença entre angiologia e cirurgia vascular?

PK – A angiologia (estudo dos vasos) é a parte clínica da especialidade. Eu costumo brincar com as pacientes dizendo que sou angiologista porque trato dos anjos!!! A cirurgia vascular progrediu muito nos últimos anos, com o surgimento da cirurgia endovascular, menos traumática e melhor aceita pelos pacientes.

GC – Quais os tipos de doenças tratadas pelo angiologista?

PK – Na verdade, todo cirurgião vascular é também angiologista porque a especialidade não é só cirúrgica. Somente em alguns locais, como, por exemplo, no Rio de Janeiro, existem os angiologistas puros, que têm formação de clínico geral e clínicovascular; eles tratam os distúrbios vasculares que não requerem cirurgia, inclusive diabete, hipertensão arterial e hiperlipemia.

GC – Em que casos se deve procurar um angiologista ou um cirurgião vascular?

PK – O paciente que procura um angiologista/cirurgião vascular, muitas vezes, é encaminhado por um clínico ou um geriatra que suspeita ou diagnostica uma doença vascular. Somente no caso de varizes, onde o paciente vê as veias dilatadas nas pernas, é que ele procura o cirurgião vascular. Com frequência recebemos pacientes que referem dores nas pernas e que atribuem essas dores às veias que veem nas pernas. Na maioria das vezes essas dores não são decorrentes das varizes; o paciente não vê os nervos, músculos e tendões, atribuindo o sintoma ao que ele enxerga: as veias.

Existem lendas relativas às varizes: salto alto não causa varizes; inclusive um pequeno salto no sapato pode melhorar as condições de retorno venoso das pernas; da mesma forma, subir escadas não causa varizes. É pior ser sedentário, ficar sentado o dia todo do que subir escadas.

GC – Qual seria a causa do aparecimento de varizes?

PK – As varizes constituem, na maioria das vezes, problema estético, particularmente quando são de pequeno calibre. Costumo dizer que se trata de um problema oftalmológico(um óculos escuro resolve o problema!!!).Nesses casos, o tratamento escleroterápico é o mais indicado, podendo ser feito ou por meio químico(injeção de substâncias esclerosantes) ou por meio físico(laser). Eu utilizo o método químico preferencialmente porque tenho resultados bastante satisfatórios com ele. Quando as varizes são maiores, mais avantajadas, causando dores nas pernas e alterações na pele, além do problema cosmético, devem ser extirpadas cirurgicamente. Opero pelo método tradicional, realizando mini-incisões na pele e retiro as veias utilizando micro-ganchos (agulhas de crochê). Incisões maiores só são feitas quando há necessidade de extirpar troncos venosos superficiais principais(safenas) Há colegas que tratam essas varizes com espuma(misturam substância esclerosante com ar e injetam nas veias), técnica que, a meu ver, só deveria ser utilizada em casos de insuficiência venosa avançada, com lesões tróficas da pele(úlceras varicosas) o que dificultaria o tratamento cirúrgico convencional. Não me agrada injetar ar na veia dos pacientes pelos riscos dessa conduta.

GC – Quando se deve começar a tratar as varizes e qual seria o tratamento mais eficaz?

PK – As varizes têm como causa predisponente a hereditariedade; existem profissões que atuam como fator desencadeante, desde que esteja presente o fator predisponente. Assim, profissões que exigem a posição ereta por muitas horas ou que impliquem em esforços excessivos, como os trabalhadores das docas, estão mais sujeitos a apresentar varizes. A gestação também é um fator desencadeante das varizes e é devido a gestações repetidas que as varizes predominam nas mulheres. Existem lendas relativas às varizes: salto alto não causa varizes; inclusive um pequeno salto no sapato pode melhorar as condições de retorno venoso das pernas; da mesma forma, subir escadas não causa varizes. É pior ser sedentário, ficar sentado o dia todo do que subir escadas.

GC – Existe tratamento para vasos alterados na face e no pescoço?

PK – Pequenos vasos na face constituem somente problema estético e podem ser tratados com escleroterapia ou com laser. As doenças arteriais se revestem de maior gravidade. No pescoço, as artérias carótidas podem sofrer processo de arteriosclerose, com estenose(obstrução parcial da luz do vaso) e formação de coágulos que podem embolizar para as artérias cerebrais causando acidentes vasculares encefálicos.

GC – O tabagismo seria um fator de risco nas doenças arteriais?

PK – É importante a interrupção do tabagismo nas doenças das artérias: pacientes que apresentam insuficiência arterial nas pernas referem dor na panturrilha ao caminhar e que cede com o repouso; em casos mais avançados, aparece dor no pé mesmo em repouso quando então será necessária intervenção cirúrgica para melhorar a circulação do membro e evitar a amputação. O tabagismo constitui um fator de risco importante nesses casos, pois, além de promover agravamento da isquemia(falta de circulação), colabora também para formação e evolução de aneurismas(dilatação das artérias)

GC – E quanto ao diabetes, qual a importância do controle?

PK – O diabetes provoca alterações obstrutivas em artérias menores no organismo. Associadamente lesa nervos e favorece infecções. Particular atenção deve ser dada aos pés do diabético. De rotina forneço aos pacientes diabéticos uma relação de recomendações que chamei de 10 mandamentos para o pé do diabético no sentido de prevenir as complicações observadas nesse segmento corpóreo. A lesão do nervo(neuropatia diabética) é a complicação mais frequente. Provoca falta de sensibilidade na pele o que favorece o aparecimento de lesões que podem se infectar e, se houver também insuficiência arterial, estará criado o ambiente propício para a catástrofe(amputação) se não for possível reverter essas alterações. A principal causa de amputação não traumática no ser humano é o diabetes.

GC – Qual a causa e tratamento de formigamento e ou dormência nas pernas e coxas?

PK – Formigamento e dormência nas pernas, em geral, são manifestações de doenças dos nervos(neuropatias) ou manifestações de caráter ortopédico que contribuem para comprimir estruturas nervosas. Do ponto de vista vascular, esses sintomas aparecem em condições de isquemia grave do membro.

O Brasil tem um sistema de saúde abrangente e que, na teoria, é perfeito. Toda a população, independente da classe social pode usá-lo. Entretanto, na prática, ele funciona mal porque os recursos que o governo destina aos serviços públicos de saúde são escassos e insuficientes para mantê-los em nível mínimo de eficiência.

GC – Além do consultório, o senhor atua em algum outro lugar?

PK – Atualmente atuo somente no consultório. Só vou aos hospitais quando tenho pacientes internados ou quando sou solicitado, por colegas, a avaliar seus doentes. Até recentemente (início da pandemia de COVID 19), eu frequentava semanal e voluntariamente, o ambulatório de hiperidrose do Hospital das Clínicas, onde tratava e orientava os residentes a tratar pacientes com essa patologia.

GC – Dentro da Medicina, o que mais o encantou e o frustrou?

PK – Na medicina o que mais me impressionou foi a evolução dos métodos de imagem(ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética), que ocorreu na 2ª metade do século passado, permitindo um diagnóstico mais rápido e preciso. Quando me formei contávamos somente com Rx para auxiliar no diagnóstico. Por isso, tivemos que aprender a examinar cuidadosamente o paciente para fazer diagnóstico. Também a possibilidade de se tratar doenças vasculares por métodos pouco invasivos empregando cateteres, stents e endopróteses, técnicas desenvolvidas a partir da última década do século XX, constituiu uma verdadeira revolução nesse tratamento. Frustrante é a impossibilidade de se utilizar toda essa tecnologia na maioria da população por falta de investimentos na saúde pública. É triste, como eu via no ambulatório de cirurgia vascular do HC, pacientes com aneurismas das aorta e risco de perda de perna por falta de circulação, condições que necessitavam de tratamento urgente, permanecerem por tempo longo numa fila, aguardando vaga para internar. Alguns deles faleceram por rotura do aneurisma ou tiveram suas pernas amputadas devido à espera prolongada para conseguir a internação

GC – Se pudesse, o que melhoraria na sua área?

PK – Com o aumento dos serviços que oferecem estágios, e que utilizam esses estagiários como mão de obra barata para atender pacientes, houve inundação de pseudo-cirurgiões vasculares no mercado com formação deficiente e condutas terapêuticas, no mínimo, discutíveis. O preparo desses cirurgiões é bem diferente dos que realizam a residência ou mesmo estágio em hospitais universitários ou serviços não universitários, porém habilitados para formar cirurgiões vasculares de excelência. Essa situação se explica pela quantidade de médicos que são lançados no mercado e pela escassez de vagas para absorvê-los em serviços devidamente credenciados. A quantidade exagerada de Faculdades de Medicina criadas nos últimos anos, muitas delas sem condições para formar médicos razoavelmente competentes, é responsável por essa avalanche de profissionais na praça.

A Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular tem feito campanhas educativas para a população no sentido de divulgar medidas preventivas em várias doenças , como por exemplo, trombose venosa, pé diabético, etc. No entanto, essas campanhas têm sido muito modestas; precisariam ser mais frequentes colocadas na mídia e nas redes sociais para abranger um público maior.

GC – Como acha que o Brasil está em termos de saúde?

PK – O Brasil tem um sistema de saúde abrangente e que, na teoria, é perfeito. Toda a população, independente da classe social pode usá-lo. Entretanto, na prática, ele funciona mal porque os recursos que o governo destina aos serviços públicos de saúde são escassos e insuficientes para mantê-los em nível mínimo de eficiência. Esse atendimento precário estimulou o aparecimento dos planos de saúde suplementar, criando um elemento intermediário entre o paciente e o médico. Nesse sistema quem lucra é o proprietário desses planos, pois o paciente paga uma mensalidade cara e o médico recebe uma remuneração indigna. Na seleção de médicos credenciados por essas empresas não se exige nenhuma qualificação melhor, pois quanto menos qualificado for o médico, menor será sua reinvindicação salarial.

Outro aspecto negativo é a impossibilidade dos médicos exercerem sua atividade de maneira independente e de acordo com os bons princípios da medicina, pois são pressionados a limitar, ao mínimo, as solicitações, muitas vezes necessárias, de exames laboratoriais e de imagem para elucidação diagnóstica, além de condutas terapêuticas mais adequadas, no sentido de diminuir gastos do plano e aumentar o lucro de seus proprietários! Se, na visão dos diretores do plano, ocorrer esse fato, os profissionais são automaticamente descredenciados, sem possibilidade de qualquer argumentação. Para mim, que sou de uma época em que o relacionamento entre o médico e o paciente era direto, sem participação de intermediários, lamento profundamente a situação dos colegas que ficam dependentes e na mão desses planos para poderem sobreviver economicamente.

GC – E quanto aos avanços tecnológicos e científicos?

PK – A evolução tecnológica que ocorreu no século XX, após a Segunda Guerra Mundial, em todas as áreas do conhecimento humano, também se refletiu na área médica, com a introdução de equipamentos de imagem e novos exames laboratoriais que contribuíram para uma maior precisão diagnóstica. Da mesma forma, doenças que não tinham tratamento passaram a ter soluções com o desenvolvimento de métodos invasivos e não invasivos e ao desenvolvimento da indústria de medicamentos favorecendo soluções a condições clínicas até então consideradas irreversíveis. São exemplos, a reprodução assistida e os transplantes de órgãos.

GC – Alguma mensagem para os futuros médicos?

PK – Para os colegas mais jovens eu gostaria de ressaltar a importância da relação médico-paciente que está se deteriorando graças ao emprego exagerado e, muitas vezes, desnecessário da tecnologia médica em detrimento do exame clínico. A alta tecnologia médica, de enorme valia para uma maior precisão do diagnóstico, deve ser reservada àqueles pacientes que efetivamente dela necessita, evitando-se o desperdício que está encarecendo sobremaneira a prática médica. Parodiando o Prof. Adib Jatene: “não devemos ser somente técnicos que tratam as doenças, mas primordialmente médicos que tratam pacientes, pois doenças não requerem explicações, mas pessoas precisam desesperadamente delas”.

GC – Quais as realizações que gostaria de ressaltar, tanto no profissional como na vida particular?

PK – Profissionalmente, me considero um vencedor porque consegui angariar uma clínica particular sem necessidade de contar com intermediários. Nunca me sujeitei, e felizmente nunca precisei, atender pacientes de planos de saúde. Paciente sem condições para arcar com os custos de uma consulta ou um procedimento cirúrgico, eu atendia no ambulatório de cirurgia vascular do Hospital das Clínicas com o mesmo desvelo que dedicava aos pacientes do consultório. Acho que consegui ter o reconhecimento de meu trabalho, tanto por parte dos pacientes, como principalmente dos colegas médicos, sendo esse último o maior prêmio que o médico pode obter na sua profissão.

Na vida particular também me considero um vencedor, pois constitui uma família maravilhosa. A atividade médica exige muita dedicação e trabalho diuturno, o que restringe o tempo dedicado à família, em particular à educação dos filhos. Nesse aspecto, devo ressaltar o papel de minha esposa, que se dedicou, em tempo integral, a cuidar das filhas, dando-lhes uma formação exemplar. As três tiveram formação universitária e constituíram famílias respeitáveis, que nos deram 7 netos.

20
20