CIÚME – ILDO MEYER

Ildo

Sempre achei que ciúme era um sentimento baixo e jamais me atingiria. Confiava na altura do meu “taco” e na mulher que estava a meu lado. Até o dia em que tudo mudou. Fui atacado por um sentimento de perda, uma ameaça de abandono, um medo de não mais ser amado. Algo não andava bem.

Seria ciúme ou quem sabe algum outro sentimento parecido? Talvez inveja, ansiedade, depressão…O nome do que sentia nem era tão importante, mas como desprezava tanto o ciúme e tinha vergonha de estar sendo contaminado por este monstrinho de olhos verdes, procurei ajuda.

Para se caracterizar como ciúme é preciso o envolvimento de no mínimo três pessoas. Aquela que sente, a pessoa de quem se sente e o motivador do ciúme. A diferença entre ciúme e inveja é que o primeiro traz o sentimento de propriedade a ser perdida e o segundo, o instinto de apropriação indevida. Não restava dúvida, estava com ciúme, o que me confundiu é que o ciúme não era por uma mulher, era por um filho.

Inverno, final de tarde, meu filho entra em casa vestindo um sobretudo lindo, elegante, sofisticado. Chique demais para um menino de 19 anos. Disse-me que seu padrasto havia lhe emprestado. Imediatamente o sangue me subiu à cabeça, passei a enxergar tudo com lentes de aumento e imaginar meu filho experimentando, vestindo e gostando de usar as roupas do atual marido de minha ex-mulher. O próximo passo seria ele se afeiçoar mais a ele que a mim. Instintivamente falei que estava com ciúme e pedi que não mais usasse o sobretudo, pois lhe compraria um novo.

Ciúme de perder o amor de meu filho e inveja do sobretudo garboso. Antes que me perguntem, já vou esclarecendo, o ciúme era do amor de meu filho. Nada a ver com o relacionamento atual da mãe dele. Precisei de um tempo para entender que o sobretudo era apenas uma roupa bonita que meu filho poderia pedir emprestado sem problema algum. Já o amor dele por mim não tem negociação, é propriedade nossa, têm valor inestimável e não pode se emprestar, dividir ou perder.

Assim como se investe em roupas de qualidade e no cuidado com elas, o mesmo precisa ser feito com a relação. Estava desconfortável, com medo e precisava dividir este sentimento. Minha crise de ciúme serviu pra nos divertirmos muito e, depois de resolvida, até fazer piada, dizendo que liberava meu filho para usar, sujar, gastar, rasgar as roupas do outro e deixar as minhas limpinhas no armário. Porém, mais importante do que isto, a crise serviu pra confirmar que nosso amor estava acima da moda e cada vez mais clássico.

Será que num relacionamento de casal o corpo do companheiro também pode ser encarado como um sobretudo? Pode ser emprestado ou não? Depois de usado voltará a ser o mesmo? É melhor saber ou ignorar? Alguns vão espionar, questionar, sofrer, procurar a mentira, buscar a indiferença e padecer na dúvida até o dia em que descobrem o segredo que vai confirmar sua infelicidade. Outros tratam de ser felizes cuidando de suas próprias roupas. E você, o que está vestindo hoje?


 

Ildo Meyer – Médico formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.  Saiba mais

ildmeyer@terra.com.br