Hagadah – Relíquia hebraica vinda da Espanha em Sarajevo – Por Felipe Daiello

Como Hitler era colecionador fanático por obras de arte e de preciosidades religiosas, tropas SS tinham a missão de encontrar um exemplar de uma Hagadah do século XIII. Com 150 páginas, belas ilustrações, possivelmente editada na Andaluzia, era o prêmio procurado.

Judeus sefarditas foram expulsos da Espanha, após a queda Granada em 1492, por atos da Rainha Isabel, a Católica. Na sua longa diáspora chegaram até a região da atual Istambul, sendo acolhidos pelo sultão que era o soberano na época. Suas palavras são lembradas até hoje:

“Não entendo como os reis católicos expulsaram súditos com tanta capacidade nos negócios, na medicina, no uso de ervas e dos seus compostos para cura de pequenos males e na construção das leis”.

Com o tempo algumas famílias deslocaram-se para Sarajevo, cidade que possuía características e condições de acolhida semelhantes as de Istambul. Mesmo assim o começo não foi fácil, pois a população local tinha restrições à chegada dos estrangeiros, inclusive proibidos de viverem na parte central da cidade e de edificarem sinagogas.

Com o tempo, pelo trabalho adquirem prestígio e o respeito das autoridades o que permitiu a expansão da comunidade e a construção da sinagoga que vamos visitar.

Sarajevo era elo de ligação do comércio entre o Oriente distante, o Império Otomano em expansão e os mercados de Veneza, da Polônia e do Império Cristão da Áustria, lugares onde negociantes da fé mosaica ainda atuavam e que seriam excelentes correspondentes. O nicho seria bem aproveitado.

Bem mais tarde, judeus asquenazes, vindos da Polônia e dos Estados Alemães trazem outra variante na leitura do Torá. Vão construir a única sinagoga ainda ativa em Sarajevo. Edificada junto ao Rio Miljacka perto da famosa Ponte Latina foi restaurada após o cerco de quase 4 anos que a destruiu por completo. Ela ficava bem no centro da linha de ataque das forças sérvias, alvo perfeito para os obuses lançados pela artilharia sérvia e dos petardos dos tanques de fabricação soviética. A Sinagoga Asquenaze vai receber reportagem futura.

Durante a 2ª Guerra Mundial tropas nazistas a partir da Croácia, invadem a região, com apoio dos croatas, os Ustases. Começa novo pesadelo para a comunidade judaica, que alcançava perto de 35 mil membros na época.

Como Hitler era colecionador fanático por obras de arte e de preciosidades religiosas, tropas SS tinham a missão de encontrar um exemplar de uma Hagadah do século XIII. Com 150 páginas, belas ilustrações, possivelmente editada na Andaluzia, era o prêmio procurado. Apesar dos esforços o livro precioso não foi encontrado. Muitas explicações, outras versões, tentam explicar como a Gestapo e suas forças auxiliares foram enganadas.

Quando o oficial da SS chegou, a resposta do funcionário responsável foi clara. Já havia entregue em dia anterior o exemplar para autoridade de patente superior. Ordem impossível de desobedecer. Pagaria caro pela ousadia e de não poder dar mais esclarecimentos, ainda mais que não identificava a pessoa que levara a Hagadah.

Outros afirmam que ela foi escondida numa mesquita, no meio de livros sagrados de Allah, lugar onde nunca alguém pensaria em procurar.

O certo é que hoje a famosa Hagadah está guardada no cofre do Museu Nacional de Sarajevo, onde só pode ser manuseada e estudada por especialistas em momentos especiais

Na velha Sinagoga Sefardita de Sarajevo, restaurada e recuperada, agora um memorial da influência e da importância da comunidade durante quase 400 anos na Bósnia, foi montado audiovisual, ponto alto da visita, que permite obter e gravar detalhes dessa preciosidade. As suas gravuras são magníficas, as informações bem esclarecedoras. A dúvida é como ela chegou a Sarajevo, vinda da Andaluzia.

Pela análise das gravuras, por detalhes de inscrições, é quase certo que ela foi escrita em Barcelona.

As atrocidades cometidas pelos nazistas, o holocausto implantado, os nomes das vítimas, a relação dos sobreviventes, bem como a propaganda antissemita empregada pelas autoridades locais para justificar as barbáries, são memórias aqui arquivadas para recordar, evitando assim no futuro novo crime contra a humanidade.

FELIPE DAIELLO

FELIPE DAIELLO – Professor, empresário e escritor, é autor de inúmeros livros, dentre os quais “Palavras ao Vento” e ” A Viagem dos Bichos” – Editora AGE – Saiba mais.

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