GUYER SALLES – QUANDO A APARÊNCIA É A NATUREZA INTIMA DAS COISAS – JACOB KLINTOWITZ
Trata-se de um mestre que nos diz alguma coisa única que está além e também nas imagens criadas.
No dia 3 de junho foi inaugurada a mostra de Guyer Salles no Espaço Cultural Citi, onde permanece até o dia 2 de agosto.
É rara uma exposição de Guyer Salles e é uma mostra de rara qualidade.
Os assuntos de Guyer Salles são extraordinariamente corriqueiros. Na maioria das vezes nós estamos diante de peixes na água, vasos de flores, paisagens, frutas, animais em repouso. E os meios utilizados para expressar esses assuntos são os da tradição, tais como a aquarela, a gravura, o pastel, a pintura, com o papel e a tela como suportes. Após este primeiro inventário visual, constatamos que se trata de um virtuose que domina essas técnicas. E o mais interessante, trata-se de um mestre que nos diz alguma coisa única que está além e também nas imagens criadas. O que se impõe é um conceito integrado da realidade.
Estamos tratando da identidade das coisas. A enunciação do nome traz as emoções daquilo que a história agregou ao nome. Uma rosa é uma rosa e é o sutil perfume que evocamos. E é também o seu desenho, pétalas enoveladas em pétalas. O nome nos traz os seus atributos históricos.
Na obra de Guyer Salles o segredo, talvez, ou um dos segredos, esteja no fato de que as suas imagens despertem em nós remotos ecos. Da mesma maneira que uma palavra nos chega com todos os atributos históricos, também isto acontece com as imagens. Em que parte de nós estavam armazenados? Não sabemos, exatamente. Mas o encontro com o significado é o que em várias civilizações, inclusive na nossa, se chama despertar.
É simples a maneira como Guyer Salles constrói estas imagens. É o registro de um instante. A sua impermanência é eterna. É sempre presente. A totalidade da flor: é sempre agora. Na obra de Guyer Salles a aparência das coisas reflete a natureza intima delas. A arte, neste caso, torna uma só as duas instâncias, a aparência e a essência. O notável na sua obra é justamente que a aparência das coisas é a sua própria essência. É evidente, que se trata de uma identidade absoluta entre o que é e o que aparenta ser. E o que aparenta, do que se trata? De uma visão complexa, onde o que existe pulsa a cada momento e diz a sua verdade: eu sou o que é. O que este artista nos diz é que tudo é feito de imanência, de pulsação, de vida oculta e manifesta. Nele, o que é, é sempre.
Rosa é uma rosa, é uma rosa, é uma rosa; vaso de flores é uma natureza-morta, uma natureza-morta, uma natureza-morta. Muitas vezes rosa é uma rosa, como disse Gertrude Stein, em “Sacred Emile”. É possível dizer que uma natureza-morta é uma natureza-morta. Mas em Guyer Salles a natureza-morta, o vaso de flores ou o nado do peixe são, igualmente, a emanação sutil da energia. Como isto é possível?
Jacob Klintowitz (28.06.1941), crítico de arte, editor de arte. É autor de 141 livros sobre teoria de arte, arte brasileira, monografias de artistas, ficção e livros de artista. Saiba mais…