SINAGOGA NOVA DE MUNIQUE – POR FELIPE DAIELLO

Na praça de São Jacob imenso bloco de pedras , imponente, ocupa todo o local, pelas dimensões e tamanho das pedras lembra as antigas muralhas de Jerusalém, de longe a silhueta da sinagoga aparece com arquitetura revolucionária Não há janelas na estrutura, apenas uma imensa porta de bronze, com palavras em hebraico permite o acesso. Os idos negros da SS e da SA de Hitler são passados em Munique, a cidade mais agradável da Alemanha, onde a cerveja rola macio, mas as lições e os pecados permanecem.

Ao lado, moderno museu israelita recorda pensamentos dos sobreviventes do holocausto e dos que escaparam a tempo das armadilhas do partido nacional socialista que assume o poder em 1933, com o apoio do chanceler Hindenburg, já idoso. Os primeiros decretos do novo Fuhrer mostram as claras intenções do líder que ao divulgar suas ideias em Mein Kampf, livro escrito na prisão em 1923 define os métodos a usar para dominar pelo medo a maioria da Alemanha, Os poucos que se rebelaram, bem como seus filhos e os descendentes das antigas gerações deixam mensagens atuais nos vidros do museu e nos prédios próximos como alerta para evitar repetições dos erros cometidos durante o Terceiro Reich.

Mein Kampf

Com estudos nas faculdades de Heidelberg centro de formações de letrados e de intelectuais na Alemanha, Josef Goebbels organiza um sistema de propaganda e de narrativas que pouco a pouco vão anestesiando as mentes dos alemães . Usando modernos aviões de três motores, arcabouço de alumínio, o Juncker 58, permite a realização de diversos comícios no mesmo dia, outro auxiliar é o rádio que penetra em todas as residências , ampliando a divulgação das narrativas repetidas nos comícios. O sistema é infalível e ainda é usado, nas guerras ideológicas do mundo moderno com o uso da internet.

Uma mentira muitas vezes repetida, de modo subliminar, torna-se uma verdade , um dogma para os fanáticos e os que perdem a razão num lento processo de demência ideológica usado por professores corrompidos. Surge a cegueira ideológica. Releia Saramago.

Uma visita a Dachau, a vinte quilômetros de Munique, por trem rápido permite analisar o processo de criar o primeiro centro de detenção para opositores políticos, muitos rotulados como parasitas ou inimigos do Estado. No primeiro dia de governo, decretos de Hitler ordenam a criação do primeiro campo de reeducação em Dachau em local onde antiga fábrica de munições da Primeira Guerra Mundial estava abandonada. Os primeiros detentos , comunistas, lideres sindicais, políticos e judeus , são obrigados a trabalhar na construção dos barracões , das torres de vigia e dos prédios administrativos. O padrão construtivo de Dachau, pela eficiência germânica, será implantado em dezenas de campos de extermínio construídos em todas nações que ficaram sob ocupação do Eixo até 1945.

Shoa

Construído para abrigar seis mil detentos, no final da guerra com o avanço das forças soviéticas na frente oriental , muitos campos na Polônia ,Hungria e países do Báltico precisaram deslocar os seus prisioneiros para regiões mais seguras, Dachau fica um inferno, mais de 20 mil pessoas aglutinadas em barracões superlotados, sem condições mínimas de higiene e de sobrevivência. As doenças , a falta de alimentação adequada, o frio, aumentam o número de mortos , os sobreviventes são esqueletos ambulantes que se arrastam pelo chão, Quando as tropas americanas chegam a Dachau,em abril de 1945 o quadro era desolador. Milhares de cadáveres insepultos . O comandante americano obriga os habitantes de Dachau a conhecer as condições do inferno por eles desconhecido e a sepultar os cadáveres como punição. Os responsáveis , os guardas dos campos , os capos auxiliares serão presos ,mesmo alguns anos depois , quando enfrentam julgamento e a justa punição pela forca. Mesmo mulheres que ficaram famosas por seus atos de crueldade e de sadismo não escapam da corda justiceira.

Hoje um centro de lembranças, algo para as novas gerações, a partir de 1962 Dachau sofre transformações, quase todos os barracões foram demolidos, os restantes bem como os prédios administrativos apresentam exposições, com fotos e declarações de pessoas que passaram por esse inferno. Na área da morte, encontramos as salas para retirada das roupas , o quarto dos chuveiros falsos onde os gases eram introduzidos, os fornos crematórios primitivos, pois Dachau era mais um campo de seleção, onde os mais saudáveis iriam em trabalhos forçados laborar nas unidades que produziam armas e os seus acessórios. Encontramos memorais para os protestantes, para russos ortodoxos, para os católicos e judeus. Recordação dos que aqui passaram ou aqui morreram.

Fenix

Ao anexar a Áustria em 1938, uma das primeiras medidas de Hitler foi demolir a antiga sinagoga mudando o perfil da Altstadt sendo os restos da demolição levados para as periferias e esquecidos. O tempo passa, depois da derrota da Alemanha, como Fênix Munique ressurge com mais brilho. Durante serviços no leito do Rio Isar foram encontradas parte das antigas pedras esquecidas com inscrições típicas em hebraico.

Agora, ao retornar a Munique necessário visitar a Marienplatz com a Rathaus, prefeitura onde o Clockenspiel, nas horas cheias ,com alegres carrilhões apresenta bonecos dançando em cenas típicas da Bavária tradicional. Bem perto, a catedral Frauenkirche com duas cúpulas douradas recorda o Templo da Rocha em Jerusalém,

Se a fome apertar o Viktuzlienmarket , poucos metros adiante, oferece iguarias da cozinha bávara com a típica e leve cerveja de Munchen. A cervejaria Hofbrauhaus com suas bandas alegres será a pedida para a noite. As pinacotecas, o Deutsches Museum , o palácio bávaro da Resindenz têm o fim de semana reservado

Nos intervalos, preciso retornar para a Praça São Nicolau. Durante o longo pôr do sol, com seus reflexos dourados as pedras da Nova Sinagoga refletem lembranças, mesmo mensagens que ninguém pode esquecer.


FELIPE DAIELLO

Professor, empresário e escritor, é autor de inúmeros livros, dentre os quais “Palavras ao Vento” e ” A Viagem dos Bichos” – Editora AGE

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