ENTENDENDO A BRIT BRACHA – RABINO JACQUES CUKIERKORN
Estou profundamente convencido de que nossa tarefa, como judeus e não-judeus, é fazer do mundo um lugar mais humano.
Por que um rabino nascido no Brasil e vivendo nos EUA se ocupa e se preocupa com descendentes de anussim no Brasil?
Eu respondo esta pergunta frequentemente. Nasci no Brasil, no seio do que em São Paulo se considera uma “boa família judia ashkenazi”. Desde muito pequeno, fui membro de organizações juvenis judaicas como Bnei Akiva e Netsach. Eu devia ter 16 anos quando um dia apareceu na sede de uma delas um rapaz do norte do Brasil, dizia ser descendente de judeus secretos, havia construído com suas próprias mãos todos os elementos do que ele acreditava que necessitava para uma vida judaica (uma kipá, um talit…) e havia chegado a São Paulo com a intenção de “voltar para casa” e ser reconhecido como mais um. Não lhe foi nada fácil. Nem a ele, nem aos milhares de judeus descendentes de cripto-judeus que em todo o norte do Brasil fundaram sinagogas e instituições.
Desde pequeno eu havia escutado histórias sobre descendentes de judeus portugueses e espanhóis obrigados a converter-se ao cristianismo para salvar a vida, mas que na realidade seguiam com suas práticas em segredo. A ideia de que aqueles cripto-judeus invisíveis, sobre os quais nunca se havia feito nenhum estudo científico sério, queriam retomar ao judaísmo de uma forma normalizada, como judeus de pleno direito, seduziram escritores e narradores judeus de todas as épocas. Contudo, isto nunca havia sido levado a sério. Como tese para minha ordenação como rabino escrevi sobre estes cripto-judeus; desfrutei da honra de oficiar para eles em suas sinagogas e, através da Kulanu (uma organização americana dedicada a encontrar e ajudar remanescentes perdidos e espalhados do povo judeu), a qual sigo vinculado até hoje.
Ao longo da história, milhões de pessoas têm sido maltratadas, humilhadas e sacrificadas sob a única acusação de ser judeus. Quando os “sobreviventes” batiam às portas daqueles que consideravam seus irmãos, se lhes fechavam a cal e pedra. Como era possível? Em nome de quê? Se desde tempos imemoriais os sábios do passado desenvolveram leis e fórmulas para facilitar aos dispersos o retorno ao seio de Israel, de modo que as culpas dos pais não recaíssem sobre os filhos, como não facilitar as coisas a estes judeus sinceros que tiveram que se adaptar a uma situação que não escolheram? Isto já foi há muito tempo, dirão alguns. Acaso as formas do judaísmo são as mesmas hoje que há 500 anos? Não se produziu uma mudança e renovação para garantir a sobrevivência do povo judeu e do judaísmo?
Não tenho nenhum interesse no proselitismo. O judaísmo não busca converter ninguém; eu tampouco. Não é por desdém nem por arrogância. Estou profundamente convencido de que nossa tarefa, como judeus e não-judeus, é fazer do mundo um lugar mais humano. Eu cheguei a esta conclusão desde a ótica judaica; esta é a minha identidade e luto dia a dia para mantê-la. Mas ao mesmo tempo sou plenamente consciente de que são muitos os caminhos, atitudes e posições a partir das quais se pode trabalhar nesta direção. E nem todas têm por que serem religiosas nem estarem determinadas pelo nascimento.
Em minha trajetória como rabino me encontro frequentemente com casos de homens e mulheres que se casam com não judeus, mas que querem que seus filhos levem uma vida judaica e lhes fecham as portas, como se o fato de amar sinceramente se constituísse em uma transgressão imperdoável. Filhos de matrimônios onde somente o pai é judeu que são rechaçados como não-judeus pela comunidade; homossexuais e lésbicas cuja orientação sexual se transforma em um valor pejorativo de sua qualidade humana e do seu compromisso com a comunidade… Todas essas pessoas são homens e mulheres antes que judeus, e desde o princípio a conduta do meu rabinato tem se constituído do desejo de ter pontes com todos aqueles que, de um modo sincero, fazem ou querem fazer do Judaísmo a sua identidade, a forma de vida com a qual desenvolver-se no mundo e enfrentar as mudanças, com liberdade e independência.
Durante o Sêder de Pêssach nós, judeus, temos por costume abrir a porta de nossos lares. Conta-se que esta tradição provém da época em que os cristãos acusavam os judeus de assassinar crianças durante a Páscoa. Ao abrir a porta, se mostra ao mundo o que ali se passa realmente. Qualquer um pode entrar. Estas são as coisas nas quais acreditamos como judeus, estes são os nossos costumes e esta é a nossa história. Assim somos. Iremos nos sentir muito honrados de recebê-los como iguais e de nos reconhecermos como seres humanos.
A Brit Bracha hoje é reconhecida como um das pioneiras na educação judaica à distância para judeus e não judeus. Começamos com os países de língua espana desde os Estados Unidos, no entanto, agora a Brit Bracha está no Brasil, onde opera exatamente como uma sinagoga normal, só que usando a internet e a tecnologia. No futuro planejamos ter sinagogas de “tijolo e cimento” também, ou seja, sinagogas como todas as demais, com a única diferença que os seus membros contam com o meu apoio como Rabino que sempre estou presente desde meu escritório na sede da Brit Braja Worldwide Jewish Outreach, nos EUA. Os requerimentos de cada aluno/membro são: a) afiliar-se, b) participar, c) assistir nossas classes, d) integrar-se na nossa comunidade virtual.
Sabemos como bem disse Arthur Schopenhauer: “Toda verdade passa por três estágios: no primeiro, ela é ridicularizada; no segundo, é rejeitada com violência; no terceiro, é aceita como evidente por si própria.” Nós temos visto isto dentro de nosso povo como o ocorrido com nosso grande sábio Moshe Chaim Luzzatto (o Ramchal), que não teve sua genialidade reconhecida pelos líderes religiosos de nosso povo, colocando-lhe sanções e até mesmo tornaram-no objeto de um Cherem (uma carta de excomunhão); ou quando nosso sábio Maimônides começou a escrever em árabe ao invés de aramaico, e se utilizou da tecnologia da época e enviava cartas às comunidades distantes. Me pergunto, se eles estivessem hoje, aqui e agora, em pleno século 21, se fariam o que fizeram ou se estariam utilizando a tecnologia, eu não tenho dúvida alguma.
A Brit Bracha, sendo uma Sinagoga virtual online, está disponível para todo o território brasileiro. Também promove encontros pessoais comigo, como Rabino, em alguma data especifica durante o ano, como o teremos agora em julho no México e em dezembro em Brasília/DF, congressos estes tratando sobre os mais diversos temas referentes ao judaísmo e sua pluralidade.
A conversão ao judaísmo é um tema complexo no Brasil e de enorme dificuldade de conseguir informação. Dentro da Brit Bracha tratamos este tema com muito rigor. Primeiramente não realizamos o processo de qualquer pessoa, ela antes tem que se tornar membro de nossa organização/comunidade, começar a assistir aos nossos serviços de Shabat, nossas classes semanais de Torah e classes sobre Cultura e Tradição Judaica; também lhes ensinamos o Pirke Avot, Hebraico, ou seja, este é um processo bastante intenso que leva de um a dois anos, dependendo do candidato e de suas vivências e conhecimentos prévios. O curso de preparação para o Beit Din consiste de várias leituras, assim como aulas pela internet e consultas comigo, como Rabino, e outros mentores. Porém, cada indivíduo e situação são examinados para decidir o melhor procedimento naquele caso. Há pessoas que estão esperando há sete anos e houve um caso aonde eu costumo contar que, pela primeira vez na vida, me senti inadequado para converter alguém: uma pessoa da Espanha que já estava tentando se converter por mais de 25 anos. Esta pessoa havia sido “expulsa” da Universidade, pois no decorrer de 17 anos, ela havia feito todos os cursos de judaísmo oferecidos. Seu conhecimento sobre qualquer assunto dentro do judaísmo era imenso.
Venho de uma ascendência de grandes rabinos da Polônia, entre eles Meir Shapira, o criador da Yeshiva Chachmei Lublin e do conceito da Daf Yomi (onde se lê uma página do Talmud por dia e assim se estuda todo o Talmud em 7 anos). Ele foi revolucionário em sua época. Descendo de muitos outros rabinos famosos, mas não venho aqui para contar vantagem. Além disso, sempre creio que minha obrigação é me preocupar com minha descendência e não com minha ascendência.
Eu cresci num ambiente de amor e respeito à tradição judaica, associado a inovação, a iniciativa e ao desejo de servir a D’us e ao povo de Israel. Eu sempre desejei ser rabino, desde criança, já que fui criado numa casa aonde se valorizava o judaísmo e a educação judaica. Sempre tive muito interesse na nossa religião e cultura, porém, já menino, me lembro da maneira tradicional (ortodoxa) como o judaísmo era vivido de forma excludente da maioria das pessoas. Não só era muito difícil viver a vida daquela maneira, mas fazia quase impossível para as pessoas de fora poderem entrar. Portanto, desde criança optei por uma forma mais abrangente, aberta e racional: o judaísmo liberal.
Em um de meus livros intitulado “Judaísmo Acessível: O Guia – Um guia conciso dos valores e práticas do judaísmo moderno” (publicado em português, espanhol e em inglês), descrevo de forma clara e concisa a história de nosso povo e o desenvolvimento do judaísmo que sempre teve em sua essência a reforma, a inovação.
Costumo dizer a meus congregantes no Templo Israel (Kansas City) e aos membros da Brit Bracha espalhados pelo mundo que nunca se definam como um mau judeu. Todos judeus são bons judeus, alguns estão num processo aonde ainda não chegaram ao seu potencial.
Nossa visão junto a Brit Bracha (www.britbracha.org) é a de que todos estão convidados a se juntarem a nós nesta missão de levarmos um judaísmo baseado na ética, moral e justiça social a mais e mais pessoas que estão espalhadas por este imenso território brasileiro. Nós lá chegamos por intermédio da tecnologia e isto exige investimentos constantes e os convido a nos ajudarem.
Nós não desejamos ocupar espaço de ninguém, a Brit Bracha só vem a preencher uma lacuna em ajudar as pessoas em locais onde não existem comunidades, pessoas que por ironia do destino perderam seus vínculos com nosso povo, que não tiveram que passar pelos horrores do Holocausto, o que não quer dizer que seus antepassados não passaram pelos horrores das torturas, das desapropriações, das fogueiras e por tantas atrocidades feitas pela inquisição católica. E que hoje suas almas clamam por retornar.
Este sou eu, esta é a organização a qual dirijo, este é o povo que busco ajudar, e creio que, como disse Schopenhauer, muitos tentarão nos ridicularizar, nos rejeitarão com violência. Porém sabemos que no final meu trabalho ficará evidente por si próprio. Assim como sabemos e já temos tido prova de que a comunidade judaica no Brasil e no mundo possui pessoas sensíveis à nossa causa e tem nos apoiado, e somos enormemente gratos a elas.
RABINO JACQUES CUKIERKORN – É o líder espiritual do Temple Israel da Gran Kansas City. Saiba mais.