UM ESTRANHO FASCÍNIO – JOSEF BARAT

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Um dia algum historiador com mente muito aberta conseguirá explicar esse estranho fascínio que o Brasil tem pelo fracasso. Sem restrições ideológicas, talvez o exame de episódios recorrentes da nossa história possa nos permitir entender tantas alternâncias de sucessos e de fracassos. A cada período de busca pela inserção no mundo contemporâneo e participação no concerto de nações adultas seguem-se os de desmonte das conquistas. Meticulosamente as forças do atraso se unem para manter o País na sua letargia secular. E, por forças do atraso, entenda-se não apenas as mais conhecidas, mas também as que se dizem “progressistas”, que de forma bitolada servem mesmo é ao atraso.

Os adolescentes que têm pavor de assumir a vida adulta culpam os pais, os professores e o mundo por seus descaminhos e frustrações. Nunca internalizam a responsabilidade por seus atos. Os culpados sempre são os outros. Vale a translação dessa imagem para países da América Latina, por exemplo. Sempre engolfados por tiranos irresponsáveis, seus povos são incitados ao ódio aos “adultos”, causadores de todos os seus males. Atitude bem diferente têm os do sudeste asiático, que, também vítimas do colonialismo, há tempos já viraram essa página, não maldizem ninguém, assumem posição no mundo contemporâneo e olham mais resolutamente para o futuro. Querem ocupar lugar no mundo adulto. Quaisquer indicadores econômicos, sociais, culturais ou educacionais mostram com clareza a diferença entre essas duas porções do mundo.

Nesta América Latina condenada irremediavelmente a sucessões de grandes fracassos – com duas ou três exceções -, o Brasil fica um pouco melhor. Pelo menos alterna seus malogros com ciclos de efetivo avanço no ordenamento institucional, na modernidade da produção e alguma melhoria social. Além do mais, a herança lusitana, ao contrário da espanhola, valoriza mais o exercício do poder pela esperteza – mais ou menos sutil -, do que pelos confrontos, bravatas e cultos a cadáveres de seus tiranos, tão apreciados pelos “hermanos”. Mas como explicar então o fascínio pelo fracasso no Brasil? Seria herança distante do sebastianismo? Seria porque se sente mais confortável e “respeitado” entre “adolescentes” irresponsáveis?

Vendo a nossa história mais recente – e para citar alguns exemplos – é impressionante como o esforço de contemporaneidade e o otimismo dos anos JK foram seguidos por anos calamitosos e sombrios de outros dois jotas: JQ e JG. Como todo esforço de estabilização e bases institucionais inovadoras de caráter econômico e social do curto governo Castelo foi seguido de um retrocesso em Costa e Silva e Médici. O esforço de dar uma lógica de planejamento e objetivos nacionais de desenvolvimento dos anos Geisel, pelo descontrole dos anos Figueiredo e Sarney. Seria supérfluo destacar o caos imposto por Collor, que só possibilitou um realinhamento da economia e a abertura de perspectivas mais seguras com o Plano Real de Itamar e FHC. Por fim, estamos assistindo ao triste espetáculo do esfacelamento dos avanços conquistados na era FHC e Lula 1 de controle da inflação, aumento da renda real, melhor distribuição de renda e maior credibilidade internacional.

Neste desmonte que resultou do governo Dilma 1, tem-se a sobreposição de três crises de grandes proporções: econômica, política e social. A sociedade já vem dando, há tempos, sinais de inquietação com essa mistura explosiva de inflação alta, redução do poder de compra, aumento do desemprego e inadimplência. Os conflitos e tensões se exacerbam, mas é manifesta a incapacidade do governo de – na melhor tradição brasileira – afastar os radicalismos e buscar uma solução capaz de articular uma nova composição política com o equilíbrio necessário para conduzir o País.

Por tudo isso, novas articulações políticas já se fazem com o objetivo de viabilizar uma nova governança que tenha a disposição de mudar o rumo das opções econômicas e políticas. Mas, para a dimensão e a complexidade das crises, ainda faltam grandes estadistas.


JOSEF BARAT – É economista, consultor de entidades públicas e privadas, e coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).


Nota – Artigo publicado na edição de 23 de julho do jornal O Estado de São Paulo – Economia e Negócios.

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