VOCÊ SABE O QUE EU SINTO? – POR ILDO MEYER
Amar é tiro ao alvo no escuro. É preciso certa dose de ignorância para amar. Que boba pretensão pensar que nosso coração e nossa cabeça podem adivinhar o querer do outro.
Por mais que o conhecimento médico tenha evoluído e se apossado de recursos tecnológicos cada vez mais precisos, ainda assim, muito se faz necessário para que possamos conhecer como funciona o corpo humano. Quantos milímetros de pele, músculos, tecidos e ossos ainda precisarão ser pesquisados para que possamos dizer com segurança que dominamos integralmente a fisiologia e patologia do organismo humano?
Se o entendimento da parte corpórea já apresenta tamanha dificuldade, imagine o lado emocional? Será que algum dia teremos informação suficiente para decifrar os códigos do mais intrínseco enigma da raça humana?
Muito se tem estudado, mas ainda estamos engatinhando. A maioria das pesquisas direciona-se no sentido das tendências. Podemos imaginar, perante uma criteriosa análise do comportamento passado o que poderá se desenhar no futuro, mas nunca saberemos com exatidão o que passa na cabeça do outro.
Existe um infinito separando o intelecto das pessoas. Dizer que se conhece o outro é negar este espaço sagrado. O outro é como um iceberg, nós vemos apenas uma fração que, às vezes, ele se permite mostrar. A grande parte está escondida. O que o outro mostra talvez não represente nem dez por cento do que realmente seja, sinta, pense ou possa vir a se transformar.
Talvez resida aí uma explicação para o fato de ser tão difícil relacionar-se emocionalmente. Precisamos mesmo conhecer o máximo do outro? O que ganhamos com estas informações? Seres inteligentes demais, sagazes demais, curiosos demais perdem um tempo precioso buscando respostas que os permitam encurtar a incomensurável distância que os separa de seus parceiros. Quase nunca conseguem, mas é comum colocarem a culpa de seu fracasso no comportamento do outro.
Amar é tiro ao alvo no escuro. É preciso certa dose de ignorância para amar. Que boba pretensão pensar que nosso coração e nossa cabeça podem adivinhar o querer do outro. Não sabemos. Nunca saberemos. Talvez seja melhor trocar a lupa com que estamos examinando o outro por um espelho. Olhar e confiar em si, entregar-se e meramente viver sem a preocupação de entender a magia do encontro.
E se por acaso falhar, se o outro não for a pessoa certa, se eu me arrepender?
Esqueça as perguntas, deixe seu sentimento decidir. Pode dar muito certo ou muito errado, mas qualquer das alternativas é melhor que fechar os olhos e não sonhar com ninguém; pensar em um beijo e não lembrar de uma boca em especial ou fazer planos e estes serem sempre solitários.
Não é preciso compreender o incompreensível. Basta a entrega.
ILDO MEYER – Especialista em Anestesiologia e pós-graduação em Filosofia Clínica. Saiba mais.