CERTEZA NUNCA, NUNCA MAIS – PAULO ROSENBAUM

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No meio da estação realizou, não havia escapatória. Nem ficar, nem fugir. Diante da porta aberta dos vagões, sua vida se recusou a passear pelos olhos. Nenhum flash back. Numa multidão espremida com a esperança de sobreviver, perturbou-se em ser só mais um.


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 Dia em homenagem às vítimas do Holocausto – השואהיום

(Yom HaShoah) Memória

A reedição do ódio

Certeza nunca. Nunca mais.

Tivera convicções, mas se convencer não fazia parte de sua personalidade. Para ele, personalidade não passava de uma constância artificial, o simulacro de unidade que inventamos para nós mesmos.

No meio da estação realizou, não havia escapatória. Nem ficar, nem fugir. Diante da porta aberta dos vagões, sua vida se recusou a passear pelos olhos. Nenhum flash back. Numa multidão espremida com a esperança de sobreviver, perturbou-se em ser só mais um. Até a morte merecia uma marca individual. Número tatuado na pele? Removido do mundo com uma pá.

Retrocedeu meio passo e virou-se ao oficial. No bolso, um lápis bem apontado esperava a oportunidade. Pediu um papel.

Desconfiado, trejeitos lentos e olhando em volta, o soldado cedeu.

O poeta escreveu rápido, empurrado sob o som dos alto falantes:

– Entrem nos vagões Vamos partir, vamos partir, vamos partir

– As malas ficam.

—Tudo fica.

Subindo, empurrou o poema com o pé, que despencou no vão.

Assim que o trem zarpou, o SS, intrigado, ordenou que se recolhesse o papel dos trilhos:

“Fomos partidos, voltaremos inteiros”


PAULO ROSENBAUM – Médico e escritor, assina a coluna semanal “Coisas da Política”, no JB – Jornal do Brasil. Saiba mais.

Nota – Matéria publicada no http://blogs.estadao.com.br/conto-de-noticia/certeza-nunca-nunca-mais/

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