QUANDO O GRANDE RABINO DA FRANÇA, HAÏM KORSIA, SE EXPLICA – POR JAYME VITA ROSO
No L’Express[1], Haïm Korsia (1963) propiciou a duas repórteres, Claire Chartier e Elise Karlin, uma entrevista (perguntas e repostas) que tem como título: “O judaísmo apoia os valores republicanos”. Sem dúvida, a entrevista comporta a concepção de laicidade, “mais aberto, menos integrista”. Que é? Apoio à “neutralidade do Estado”: (embora de prática ortodoxa), que não tem o significado abrangente da “recusa absoluta do fato religioso”.
Com ideias precisamente apontadas, o rabino Haïm Korsia declarou o que, por sua relevância, merece reflexão dos leitores. Respondeu dez perguntas, não dando respostas breves, mas, por necessário, quando o tema era mais delicado, obrigou-se a fazê-lo. Aqui, neste espaço, serão abordados apenas dois: o autor selecionou os temas que lhe parecem mais contundentes e não podem ser negligenciados.
Primeiro. Após o sangrento atentado de 11 de janeiro, em Paris, quando vários jornalistas foram mortos e um estabelecimento comercial violado no bairro judeu, cerca de 4 milhões foram às ruas, solidarizando-se com as vítimas. Haïm esclarece: “Senti que a Bastilha da indiferença, caiu”.
Para ele, a movimentação popular confirmou que a política de aproximação das religiões tornava-se realidade. O engajamento do Estado laico não significa a negação do fato religioso, pois, sendo necessariamente neutro, não haveria favoritismo nas escolas para cada religião. Desse modo, teríamos uma abertura imparcial, para que cada religião possa se representar e dar conhecimento do que são seus ritos e significados; afinal, “somente o conhecimento pode derrubar o preconceito”.
Particularmente, a história mostra um fato significativo sobre a ideia de tolerância, reportando-se ao islamismo ortodoxo. Não há dúvida que, no contexto do pensamento do rabino, ela não perde sua inicial dimensão religiosa, sobre o conceito de tolerância.
Diz a História que o cardeal Nicolaus Cusano, entre agosto e setembro de 1453, após a queda de Constantinopla para os turcos (considerada a capital sagrada do Oriente ou “nova Roma”), ao invés de propor uma Guerra Santa (outra Cruzada) escreveu De pace fidei, dedicado ao diálogo entre as religiões. Mesmo em ambientes protestantes, no curso dos séculos XVI e XVII, a obra de Cusano, sobretudo sua profunda tolerância, recebeu apoio incondicional.
Muita pena que, do lado islâmico ortodoxo, mesmo em cinco séculos, a tão desejada paz com as outras confissões monoteístas não tenha tido ressonância e menos ainda acolhimento.
Na contemporaneidade, a teorização da tolerância religiosa, mesmo que de cunho exclusivamente pedagógico, como é proposta pelo Estado laico francês, deve ser testada para ser aferida a sua validade e pertinência, já que é difícil crer, com sinceridade, que os fanáticos islâmicos possam aceitar a existência de um direito próprio do homem na esfera pessoal do indivíduo (melhormente, a sua liberdade de opção religiosa), rejeitando esse fato com a consagração na história moderna da afirmação categórica dos direitos do homem.
Quiçá, passadas algumas gerações e suplantada a prática religiosa, exclusiva e intransigente do islamismo ortodoxo, o Estado laico do modelo francês consiga fazer prevalecer a tolerância. Entendo que esse modelo político de laicidade tende para o ateísmo, se prestarmos atenção aos seus arautos e às suas pregações. E o risco de retorno, isso ocorrendo, mais confrontos religiosos serão inevitáveis.
Segunda. O rabino Haïm respondeu sobre o antissemitismo na França, abordando, sucintamente, se “a indiferença dos franceses ao antissemitismo” diminuiu ou não; como caracterizou o antissemitismo contemporâneo; se ele leva em consideração os propósitos antissemitas de jovens muçulmanos franceses e se as atitudes políticas do Estado de Israel o confunde com os judeus (da diáspora, digo eu).
As respostas do rabino Haïm sobre os temas do antissemitismo, que se interligam com as demais perguntas, podem ser resumidas:
a. Os atentados de 11 de janeiro de 2015 (a Revista e o mercado Kosher) provocaram comoção. Esse fato político, criteriosamente interpretado, levou o Estado francês a insistir num incessante esforço pedagógico para mudar a intelectualidade sobretudo dos jovens, bem como da “sociedade silenciosa”, insurgindo-se contra os atentados, considerados intoleráveis e promover um esforço para que não haja repetição.
b. Textualmente, a resposta do rabino Haïm sobre o antissemitismo atual é autoexplicativa, como segue: “o antissemitismo é o ódio fundado em preconceitos. E, nisto, nada muda”.
c. O rabino Haïm visualiza que os princípios republicanos, se respeitados e cultivados por um forte esforço pedagógico, poderão levar os jovens a formar uma mentalidade tolerante para todos que, como seres humanos e cidadãos livres, podem fazer opção por uma religião. O Estado, porém, não poderá deixar de punir os que ferirem os preceitos da tolerância republicana.
d. Quanto à amálgama entre o Estado de Israel e os judeus, acrescento “também da diáspora”, se essa ideia alimenta o antissemitismo, o rabino respondeu com a clássica dialética, há séculos adotada por seus ancestrais. Textualmente: “Para mim, fala-se da mesma coisa: o antissemitismo é o antissemitismo. Fato já era afirmado por Martin Luther King”.
JAYME VITA ROSO – Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é especialista em leis antitruste e consultor jurídico de fama internacional, ecologista reconhecido e premiado, “Professor Honorário” da Universidade Inca Garcilaso de La Vega de Lima, Peru e autor de vários livros jurídicos. Saiba mais.
[1] Nº 3340, 08 de jul de 2015, pp. 14-18