PERSONAGEM: DORI GOREN – CÔNSUL GERAL DE ISRAEL EM SP – POR GLORINHA COHEN

273_first_1_1No Brasil desde agosto, quando tomou posse do cargo de Cônsul Geral de Israel em São Paulo em substituição a Yoel Barnea, Dori Goren já chegou “colocando a mão na massa”, como popularmente se costuma dizer. Tem visitado políticos de destaque e as instituições judaicas de São Paulo e de outras capitais brasileiras, dando prova de que realmente vai fazer do seu cargo um dos mais movimentados dos últimos tempos. Só isto já bastaria para que ele ganhasse a admiração da comunidade. Mas, acrescente seu jeito simpático e simples de ser e teremos diante de nós um diplomata que já começa a fazer história.

E se muitos são aqueles que sabem que Dori Goren nasceu em Jerusalém em 1955, é casado com a uruguaia Cecilia, fala fluentemente hebraico, espanhol, inglês, francês, português e que viajou pelo Brasil como mochileiro, raros são os que conhecem seus gostos pessoais, o esporte e lugar preferidos, seus sonhos e projetos, e nem imaginam que ele foi artesão e fazia brincos e colares para vender, ou que morou numa favela em Recife. Tudo isto e muitas outras peculiaridades de sua vida pessoal, além de política, é claro, você vai encontrar nesta entrevista que ele especialmente nos concedeu.


Hoje, me sinto mais judeu que israelense. As pessoas precisam se colocar em uma narrativa que dê sentido à sua vida.

E o judaísmo dá muito sentido à minha.

GC – Comida preferida

DG – Saladas, churrasco e ceviche.

GC – Hobby

DG – Andar de bicicleta, cozinhar, escutar música e escrever.

GC – Pratica algum esporte?

DG – Natação e ciclismo.

GC – Defina felicidade.

DG – Estar em um momento que não queremos que acabe nunca.

GC – Pessoa ideal.

DG – Não existe. Todos temos contradições e lados positivos e negativos.

GC – Experiência inesquecível.

DG – Estar presente no nascimento dos meus filhos, estar na borda de um vulcão ativo na Guatemala e estar próximo a uma baleia e quase tocá-la.

GC – Lugar preferido: Montanha da Judeia.

GC – Defeitos e qualidades?

DG – Sou aventureiro e criativo, mas, às vezes, falo demais.

GC – Como foi sua infância e adolescência?

DG – Durante a minha infância, era uma época em que Israel era diferente, com mais aproximação social e solidariedade. E tenho boas lembranças, mas minha adolescência foi uma época de luta pessoal para encontrar meu lugar no mundo, como acontece com todo adolescente. Fui mais feliz a partir dos meus 20 anos, após o serviço militar.

GC – O que tira o senhor do sério?

DG – A miséria, o engarrafamento e chegar atrasado.

GC – O que o judaísmo significa pra o senhor?

DG – Eu sou israelense e judeu, mas minha experiência de viver por tantos anos no exterior, como no Brasil, na Argentina, na França e no Uruguai, países que têm uma comunidade judaica importante, fortaleceu minha identidade judaica. Hoje, me sinto mais judeu que israelense. As pessoas precisam se colocar em uma narrativa que dê sentido à sua vida. E o judaísmo dá muito sentido à minha. É uma narrativa triste, de três mil anos, um peso que eu levo nas minhas costas. Por outro lado, é uma civilização com uma cultura muito rica, então, ser judeu dá um significado especial à minha vida.

GC – Se pudesse voltar ao passado, qual época de sua vida escolheria?

DG – Os anos da juventude, dos quais todos sentimos saudade. Os dois anos e meio em que viajei de mochileiro ela América Latina foram uma inspiração para a minha vida. Se estou no Brasil hoje, 28 anos depois, tem a ver com essa viagem que marcou o caminho da minha vida.

GC – Por que a carreira de diplomata? Depois desses anos cheios de aventura, eu voltei a Israel, aos 27 anos. Eu tinha graduação em história e filosofia e trabalhava como professor de história, mas não gostava. Minha mãe viu um anúncio no jornal do concurso para a carreira diplomática e me recomendou prestar. Eu sabia que eram três mil candidatos para apenas 20 vagas, mas prestei o concurso para minha mãe ficar contente, pensando que não iria passar. Mas passei e aqui estou, com 32 anos de carreira diplomática.

Morei um uma favela em Recife e em uma república de estudantes em Belo Horizonte muito engajada na luta contra o regime militar.

Foi uma experiência maravilhosa, que me possibilitou me aprofundar na cultura, na história e na política brasileira.

GC – Pensou alguma vez em ter outra profissão?

DG – Muitas vezes. Tem muitas coisas boas, mas também muitas dificuldades para a família com a mudança a cada quatro ou cinco anos para outro país. Além de sempre deixar os amigos, o que torna difícil manter amizades para toda a vida. Por outro lado, é bom porque temos a oportunidade de conhecer outras culturas e viajar.

273_first_1_2Dori Goren (de camiseta preta) quando fez a viagem pela América Latina, com os amigos em Ouro Preto (MG).

GC – O senhor passou quase um ano como mochileiro na América do Sul e também trabalhou como guia turístico. Fale-me dessa época e porque escolheu a América do Sul.

DG – A viagem durou quase dois anos e meio. Foi quase um ano só no Brasil. Sempre tive atração pela cultura latina e pelo espanhol. Além da música brasileira, que fazia muito sucesso em Israel na época. Eu tinha essa fantasia do país tropical, do Carnaval e do futebol. Hoje sei que o Brasil é muito mais que isso. Durante a viagem, fui artesão e fazia brincos e colares para vender, o que me fez ter muito contato com a população local e conhece-la de forma mais profunda, além de me proporcionou meios para viajar por mais tempo. Cheguei ao Brasil pela primeira vez no Rio de Janeiro, no primeiro dia de Carnaval, e foi uma experiência incrível. Na época, não falava nada de português e não conhecia a cultura. Fui bombardeado por muita informação como música, cores e alegria, em uma festa tomada pela emoção, que deixa de lado o intelectual. Pela primeira vez, eu saí da posição de observador, que está o tempo todo analisando, e me entreguei à festa. Voltei no Carnaval seguinte, desta vez em Olinda, em Pernambuco, e depois a mais cinco Carnavais como guia turístico. A experiência latina e, sobretudo, a brasileira, me mudou para sempre e para bem porque me deu um equilíbrio melhor entre minhas partes intelectuais e emocionais.

GC – Foi quando conheceu sua esposa Cecilia?

DG – Minha esposa Cecilia é um segundo casamento e nos conhecemos há cinco anos, quando fui embaixador no Uruguai.

GC – O senhor já conhece bem o Brasil e entre 1987 e 1988 foi segundo secretário da embaixada de Israel em Brasília. Inclusive, sua tese de mestrado teve como título “O Processo de Redemocratização no Brasil 1973-1985”. Qual o motivo de sua preferência por nosso país?

DG – Como já expliquei, viajei muito pelo Brasil e estive aqui em um momento interessante, no final da ditadura militar. Morei um uma favela em Recife e em uma república de estudantes em Belo Horizonte muito engajada na luta contra o regime militar. Foi uma experiência maravilhosa, que me possibilitou me aprofundar na cultura, na história e na política brasileira. No Chile, também lutei ao lado da resistência e fiquei duas semanas na prisão, Foi uma experiência muito dura pois alguns dos amigos detidos comigo nunca mais voltaram.

GC – O senhor poderia ter escolhido outro país ao invés do Brasil?

DG – Na carreira diplomática, temos vários destinos para escolher e eu sempre sonhava com o Brasil. A minha primeira missão aqui durou apenas oito meses porque diminuíram o corpo diplomático em Brasília. Como eu era o mais jovem, me enviaram à Bolívia e foi muito triste para mim. Por isso, estar de volta após 28 anos é motivo de alegria e satisfação. O Brasil sempre teve muito significado para mim e eu considero minha segunda pátria, segunda cultura.

GC – Qual foi a maior experiência que já teve como diplomata?

DG – Ser diplomata nos permite observar acontecimentos históricos e, às vezes, até participar de forma ativa. O momento mais importante da minha carreira foi ter acompanhado bem de perto a assinatura dos acordos de paz de Oslo. Em Paris, eu participei de encontros com líderes palestinos. Naquele momento, todos nós sentimos que estávamos fazendo história e que a paz que tanto sonhamos desde a infância chegaria. Hoje sabemos que isso não aconteceu e a esperança que eu tinha nos anos 1990, eu já não tenho. Sou mais pessimista. Outro momento importante foi quando fui membro da embaixada na Argentina e fiz parte de uma comissão que veio de Israel para investigar sobre desaparecidos judeus durante a ditadura militar. Os dez dias em que escutamos os testemunhos de amigos e parentes das vítimas foram os momentos mais tristes da minha carreira.

Na verdade, parte do mundo nunca teve antissemitismo, como a Ásia. No entanto, existe um crescimento do antissemitismo e do antissionismo no mundo, com novos caminhos para manifestar o ódio.

GC – Quais os fatores principais que contribuem para unir dois países?

DG – A música, o multiculturalismo e acredito que até a fisionomia. Essa mistura de caras é bem parecida com Israel. Os dois povos também são muito quentes, muito abertos e muito solidários. Mas tenho que admitir que os brasileiros são mais alegres e, sem dúvida, muito mais cordiais. Os israelenses são famosos por ser mais secos e duros.

GC – Qual sua opinião com referência à não aceitação da indicação de Dani Dayan como Embaixador?

DG – Este tema já está superado e pertence ao passado. Lamentamos que ele não tenha sido aceito e não temos dúvidas de que seria um excelente embaixador, mas espero que em breve teremos um novo embaixador que aproximará ainda mais os dois países.

GC – Acha que essa atitude do Brasil contaminou as relações entre os dois países?

DG – Não foi um bom momento. Por causa disso, as relações ficaram um pouco melindradas por quase um ano. Mas isso já faz parte do passado.

GC – Em que patamar se encontram as negociações para pôr fim a esse conflito diplomático?

DG – O Ministério de Relações Exteriores de Israel e o Itamaraty estão em constante contato e temos um bom entendimento. Muito em breve teremos um novo embaixador.

GC – Como vê o crescente antissemitismo no mundo e como reagir diante dele?

DG – Na verdade, parte do mundo nunca teve antissemitismo, como a Ásia. No entanto, existe um crescimento do antissemitismo e do antissionismo no mundo, com novos caminhos para manifestar o ódio. Com a condenação do antissemitismo, as pessoas passaram a atacar o Estado de Israel. A campanha BDS vem crescendo muito. Felizmente, no Brasil ele quase não existe, mas sabemos que há setores na sociedade querendo difundir essa luta contra Israel também na América Latina. O que os palestinos e os árabes em geral não conseguiram fazer no campo de batalha – porque perderam todas as guerras – e não podem fazer na mesa de negociações – porque teriam de aceitar o Estado de Israel – eles tentam na arena internacional e na campanha de deslegitimação de Israel. Essa é a nova luta, mais política, contra o povo judeu. Precisamos reagir tratando de melhorar o contato com a sociedade civil e com formadores de opinião no mundo intelectual, cultural e político. As redes sociais também são cada vez mais importantes, pois no mundo virtual é mais difícil definir quem são os atores que agem contra Israel. Existe também a necessidade de desenvolver novos modos de ação para este mundo.

GC – Como classifica a atitude dos atletas libaneses ao recusarem a entrada de atletas israelenses ao ônibus nas Olimpíadas?

DG – Podemos agregar a este, o episódio do judoca egípcio que se recusou a cumprimentar o oponente israelense durante os jogos. De certa forma, podemos dizer que esses dois episódios quase podem se mostrar positivos para Israel, pois não foi uma atitude olímpica dos atletas libaneses e egípcio e eles foram criticados no mundo inteiro.

GC – Embora muita gente não saiba, inúmeros dispositivos de tecnologia que tanto têm beneficiado a Humanidade foram e estão sendo desenvolvidos em Israel. Quais deles o senhor destacaria?

DG – Desde que cheguei em São Paulo, não posso imaginar como era possível dirigir nessa cidade antes do Waze.

GC – Que objetivos pretende alcançar como cônsul?

DG – Em todos os estados onde o Consulado atua – São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – pretendo melhorar o contato com o poder político, realizar projetos de cooperação comercial e difundir a cultura israelense. Também pretendo estar em contato e participar da comunidade judaica, que sempre participa da vida israelense e sempre nos recebe muito bem e nos ajuda a estreitar os laços com a população e o governo locais.

GC – Que conselho daria para quem quer imigrar para Israel?

DG – Investigar bem o país para ter a certeza de que é isso que quer. E a chave para ter êxito na imigração é aprender bem o hebraico.

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