PAIXÃO E PODER – RABINO RUBEN STERNSCHEIN
A paixão é uma força ou uma fraqueza? Quais são as vantagens e as desvantagens de experimentar uma paixão? E de despertar paixões em outros? Quem governa quem?
A primeira parashá da Tora, que é lida nesta semana após as festas do mês de Tishrê, relata criação do mundo incluindo a expulsão do paraíso. Segundo a narrativa bíblica, após terem comido da árvore do conhecimento, Adão e Eva deviam deixar o paraíso, principalmente através de algumas mudanças radicais na essência deles, como não mais conseguir andar nu, sem vergonhas para ocultar; ter que trabalhar para obter alimento; e parir com esforço e dor.
Todavia, chama a atenção uma frase dita neste contexto exclusivamente à mulher: “A teu homem (se dirigirá) tua paixão, e ele governará sobre ti”.
Podemos ler esta frase de duas formas. É possível que se trate de uma frase composta por duas partes sem conexão entre si, ou seja, a paixão da mulher nada teria a ver com o governo do homem. Outra leitura possível indicaria causa e consequência: por possuir uma paixão dirigida ao homem, a mulher ficaria presa nas mãos dele. Segundo esta leitura, a paixão seria uma fraqueza para quem a possui e uma força para o objeto dela.
O Talmud ousou inverter a conclusão e pressupôs no tratado de Ketubot que o homem, por ser mais passional, acaba sendo mais agressivo em sua forma de expressar a paixão e de buscar atendê-la, e, portanto, deve ter mais cuidado para se manter elegante e sensível na sedução. Em outro parágrafo do mesmo tratado é estabelecido que o homem deve atender as necessidades passionais da mulher, a partir do que fica subentendido que é ela quem possui mais paixão, embora, não por isso, fique em uma posição inferior. Pelo contrário: essa paixão seria uma força que criaria um dever para o homem.
Tanto no terreno físico e médico quanto no psicológico, as teorias sobre possíveis diferenças naturais entre homens e mulheres são diversas, bem como na leitura sociológica e educativa da questão. O fato de não existirem conclusões absolutas permite pensar e viver com a ideia de que a paixão pode ser experimentada de igual modo ou independentemente do gênero. Assim, ela poderia ficar como um motor capaz de gerar energias, relacionamentos, buscas, e principalmente como um desafio para administrar nossas forças e fraquezas diante de nós mesmos e a respeito de quem acompanha nosso passo pela vida.
Que saibamos aproveitar o vigor das paixões em prol do melhor.
Shalom.
RABINO RUBEN STERNSCHEIN – Rabino da Congregação Israelita Paulista desde janeiro de 2008, Ruben Sternschein é bacharel em Educação e mestre em Filosofia Judaica pela Universidade Hebraica de Jerusalém, onde completou os estudos de doutorado em Filosofia Judaica e está prestes a entregar sua tese final. Foi ordenado rabino no Hebrew Union College, onde também obteve seu mestrado em Ciências Judaicas. Dirigiu a “Mikra-Net”, uma rede inter-universitária de estudos judaicos da qual também foi docente. Dissertou em mais de dez universidades, dirigiu o programa de formação de liderança educativa juvenil, foi bolsista premiado de prestigiosas fundações acadêmicas e educativas e se graduou também no programa de direção e liderança superior do Mandel Institute. Fundou e dirigiu a comunidade judaica liberal de Barcelona, exerceu o rabinato em Jerusalém e foi selecionado como representante judaico para o grupo inter-religioso da UNESCO que elaborou o documento: Uma Ética Universal.
Fonte: CIP