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TAISA NASSER: A APOTEOSE DA PINTURA PASTOSA – ELMAR ZORN

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Curador da instalação da mostra KLARHEIT em Berlim.

As telas lisas e superfícies perfeitas que preenchem o mundo estético da publicidade e dos produtos – aquele “pelame bonito” com o qual nos deparamos milhares de vezes diariamente – sempre desafiaram os artistas a inventarem realidades alternativas. Uma das formas de fugir desta cobertura hermética já havia sido encontrada na pintura do Impressionismo francês, mediante a fragmentação das pinceladas contínuas por meio de pequenos clusters de massa à cor, sarapintados proposital e separadamente. De uma maneira ainda mais forte e mais brutal – como o próprio nome do movimento artístico “Art Brut” indica – a pintura do Expressionismo também viola as convenções da bela aparência como reflexo imediato do real. Desde estes períodos, o “selvagem” irrompe no mundo da arte de tempos em tempos. Assim como aconteceu, por exemplo, no início dos anos 80 em Berlim, Dusseldorf, Colônia e Viena com a arte criada pelos chamados “Neue Wilde”. Trata-se de um “selvagem” que na pintura se manifesta através de cores intensas e gritantes bem como de formas encorpadas e salientes resultantes de aplicações espessas de tinta pastosa. O fenômeno da cor, a sensibilidade existencial do pintor e o encanto material que sua obra assume – e emana – é o verdadeiro tema-motor da intervenção artística.

O belga-dinamarquês Bram Bogart (1921-2012) se tornou um dos grandes mestres desse tipo de arte. Com seu tratamento expressivo da cor como manifesto central da criatividade, foi Bogart quem, na Paris das décadas de 50 e 60, definiu um estilo próprio e singular da pintura abstrata. Em estreita proximidade com Karel Appel e Corneille, artistas dos grupo CoBra e do movimento Informel, na rue Sauteuil, ele se tornou um pioneiro da “Matter Painting”, da “Haute Pâte”.

Esta contribuição extremamente notável de Bram Bogart para a trajetória da pintura contemporânea ganhou um braço correlato à medida que, em novembro de 2012, Taisa Nasser expôs suas pinturas de grande dimensão no salão parisiense Gran Palais, como parte do “Salon des Artistes Indépendants”. Acompanhada por textos sobre a natureza e a cultura das cores, a apresentação de seus quadros – concebida pela própria artista e sua equipe – se tornou uma instalação de imagem, música, dança e filme, recebendo o título de “Lucidez / Lucidité”. Antes desta performance, que ainda contou com a publicação de um livro sobre tal trabalho, a artista brasileira (que vive a maior parte do tempo em São Paulo) realizou uma primeira exposição individual em Berlim, no ano 2011. Intitulada “Tempestade”, a mostra ocupou os belos espaços da Forum Berlin am Meer, uma galeria mantida pela associação Kulturdepot. Na verdade, nestas mesmas semanas, ela está de fato sendo descoberta por parte de importantes críticos de arte, galeristas e museus dos países germânicos.

Pelo visto, a técnica do impasto está na iminência de ser mais uma vez explorada na pintura, o que já foi de certa forma previamente anunciado por livros como Das Relief der Farbe (“O Relevo da Cor”), de Matthias Krüger (2007, Deutscher Kunstverlag) bem como Pastose Malerei, Farbkörper, Farbräume (“Pintura Pastosa, Corpos e Espaços da Cor”) publicado por Pedro Anselmo Riedl (2009, Osnabrück), um dos principais críticos de arte da Alemanha, sem dúvida. Trata-se de uma reinvenção, de uma nova revelação, que honra os significados filosóficos e teórico-midiáticos do impasto – exatamente os mesmos significados que estão no cerne das obras de Taisa Nasser e que refletem o seu método próprio de criar.

O que Taisa Nasser (que prefere se chamar de “artista plástica” em vez de pintora, além de ser arquiteta praticante) concebeu foram muito mais corpos de cores do que pinturas em si, os quais exigem dos espectadores uma percepção bem diferente do que aquela que é dada à arte abstrata tradicional. Quem observa seus quadros, deve se dar o tempo suficiente para percorrer todos os clusters de cor em seus contrastes, harmonias e variações múltiplas, mesmo porque a imagem não pode ser compreendida mediante um só olhar (e pode até parecer banal se encarada como um todo de modo breve e fugaz). O emocionante na arte de Taisa Nasser é precisamente o fato de que, ao apreciar suas obras, é necessário mergulhar nos detalhes. Por isso que, em seus catálogos, predominam de forma certeira o foco nos pormenores, em trechos de suas criações, o que deixa claro a extrema tateabilidade da cor.

Dirigido a qualquer espectador de suas obras, o convite implícito à reflexão sobre a essência natural e substancial das cores em suas possibilidades de variação quase ilimitadas (a artista chega a aplicar 144 tonalidades de tinta, sem misturar!) vem de uma predisposição de Taisa Nasser, a quem interessa a “filosofia de cromatismo” e o misticismo por trás das combinações de cores, e a quem o ambiente cultural brasileiro ajudou a formar. Pois, a ligação entre os artistas de seu país (em especial os que se veem como pintores expressionistas) com o universo de religiões naturais altamente intuitivas e irracionalistas acabou por gerar uma expressão própria, sensualista, para o expressionismo artístico no Brasil.

Taisa Nasser alcança, porém, muito mais do que isso: ao cobrir suas telas com paisagens abstratas feitas por aplicações pastosas de tintas carregadas de energia cromática, ela dá uma nova vida ao pós-expressionismo sul-americano, norte-americano e europeu, permanecendo à altura dos grandes mestres da história da pintura.

Mais cedo ou mais tarde, o ímpeto de suas obras irá sensibilizar o mundo da arte de nossos dias: o que talvez já pode começar com a vinda de sua exposição “Lucidez” a Berlim. Isso porque deve se espalhar rapidamente a notícia de que ela promove um grande banquete para os olhos ao vasculhar com sua arte a profundeza introvertida de significados e segredos, assim como a sensualidade extrovertida das cores.


Notas:

– Matéria publicada na revista alemã Fresko.

– A exposição KLARHEIT ocorrerá no salão da Embaixada Brasileira em Berlim (Wallstr. 57) entre 24 de maio a 19 de julho e estará aberta de segunda a sexta, entre 10 e 18 horas. A vernissage acontece em 23 de maio, às 18 horas.

 

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