O MAIOR DE TODOS OS FAVORES – RABINO YITZCHAK ZWEIG

Por alguma razão muitas pessoas ficam constrangidas quando lhe pedem um empréstimo. Este desconforto é tão universal que até William Shakespeare se referiu a ele em sua peça Hamlet.

No entanto, o judaísmo tem uma perspectiva muito diferente. Você sabia que é uma mitsvá (um mandamento positivo da Torá) emprestar dinheiro?

Considere o seguinte cenário: uma pessoa vem à sua casa e pede emprestado algum dinheiro. Ela está obviamente necessitada e precisa urgentemente de ajuda. Ao mesmo tempo, você se recorda de outra pessoa bastante empobrecida e que também lhe pediu ajuda. Surge, então, um dilema: ajudar este que está lhe pedindo um empréstimo ou dar caridade à pessoa pobre?

Rambam, o Rabino Moshe ben Maimon (Espanha e Israel, 1135-1204), conhecido também como Maimônides, o grande codificador da lei judaica, traz em sua grande obra Yad Hazaká a seguinte declaração: “É uma mitsvá emprestar dinheiro aos necessitados …” e continua: “e ela tem uma prioridade maior do que dar caridade” (Malve Velove 1:1).

Em outras palavras, é uma prioridade maior emprestar dinheiro a alguém (que você espera que devolva) do que oferecer os mesmos fundos a uma pessoa carente. O Rambam traz uma razão muito convincente (e que manifesta compaixão) para isso: o indivíduo que está pedindo caridade já está reduzido a uma situação de indigência, enquanto a pessoa que pede um empréstimo ainda mantém sua dignidade – e devemos fazer todo o possível para preservá-la. Portanto, conceder um empréstimo para que a pessoa possa se erguer é uma prioridade mais alta do que dar caridade.

Por outro lado, um empréstimo monetário está repleto de questões futuras. No início o credor acha que o devedor é confiável e, obviamente, está convencido que ele ou ela lhe reembolsará o empréstimo. Com o passar do tempo, às vezes tudo dá certo e às vezes, não. Neste último caso, cada pessoa pensa que tem a versão exata do que aconteceu e do porque o empréstimo não foi quitado. Como Benjamin Franklin disse: “os credores têm melhor memória do que os devedores”.

É provavelmente por isso que, de acordo com o Rambam, na lei judaica é absolutamente proibido emprestar dinheiro sem testemunhas e é preferível escrever uma nota promissória (Ibid. 2: 7).

Isso me lembra quando um amigo me prometeu fazer uma grande doação à nossa Yeshivá. Naquela época, eu estudava com um dos advogados mais importantes do sul da Flórida e contei a ele sobre a doação. Ele me perguntou: “Você recebeu essa promessa por escrito?” Eu respondi: “Por que eu precisaria disso por escrito? Ele é um dos meus melhores amigos!” Ele respondeu, brilhantemente: “Rabino, se quer manter sua amizade, faça-a por escrito!”

Na leitura da Torá desta semana, encontramos o versículo em que o Rambam baseia a obrigação de emprestarmos dinheiro aos necessitados: “Se você emprestar dinheiro … não pressione o credor para pagar-lhe (se você sabe que ele não tem os meios)” (Êxodo 22:24). A palavra hebraica que a Torá usa nesse versículo é “ym”, que geralmente significa “se”.

No entanto, nossos Sábios determinaram que, enquanto a Torá usa a linguagem “se”, a intenção real é “quando”: “Quando você emprestar dinheiro …”. Em outras palavras, é uma obrigação emprestar aos necessitados.

(Gostaria de deixar aqui uma dica muito preciosa – ao ler a Torá via tradução, ou seja, não no hebraico original, é preciso MUITO cuidado para ser uma tradução precisa da Torá. Por definição, toda tradução é uma interpretação e é preciso confiar na interpretação do tradutor para entender o assunto. Uma versão mundialmente aceita (para o inglês ou espanhol) é o Chumash da Editora Artscroll).

Voltando à nossa discussão, uma vez que a Torá escreveu “ym (se)”, a implicação seria que emprestar dinheiro não é uma obrigação. No entanto, nossa tradição ensina que devemos emprestar dinheiro a alguém necessitado e que é uma obrigação. Se a Torá quer nos dizer que é uma obrigação, por que se expressa como se fosse meramente opcional?

Qualquer pessoa que esteja familiarizada com as práticas tradicionais judaicas sabe que, quando se trata da execução de mitsvót – mandamentos positivos – geralmente há uma bênção que é dita antes da realização da referida mitsvá. Por exemplo, antes de comer matsá em Pessach, tocar o shofar em Rosh Hashaná ou acender as velas de Hánuca, sempre há uma bênção a recitar.

No entanto, estranhamente, uma categoria de mitsvót não possui nenhuma bênção antes de sua realização: a de fazer favores/bondades entre as pessoas. Por exemplo: mesmo que temos que honrar nossos pais, não fazemos uma bênção antes de cumprirmos essa obrigação da Torá. Da mesma forma, temos a obrigação da Torá de dar caridade, mas não fazemos uma bênção antes.

Por que não? A razão é que esses mandamentos existem para gerar relacionamentos positivos entre as pessoas. Se fôssemos obrigados a fazer uma bênção sempre que ajudássemos alguém ou fizéssemos algo por nossos pais, estaríamos perdendo o objetivo. Devemos fazê-lo/ajudá-los porque queremos fazer algo por eles, não porque D’us ordenou. Pior ainda, estaríamos meramente ‘usando-os’ como um meio de cumprir um mandamento.

É por isso que a Torá escreve “se” quando a intenção real é que emprestar dinheiro a alguém em necessidade é obrigatório. A Torá está nos ensinando como devemos nos relacionar com aquele que pede emprestado. O emprestador não deve sentir que estamos apenas cumprindo uma ‘obrigação’ e essa é a única razão pela qual o estamos ajudando. Ao invés disso, precisamos ter a atitude de que é algo opcional, não obrigatório, e que queremos ajudá-los. A Torá escreve desta maneira para que sejamos sensíveis ao bem-estar emocional do devedor e demonstremos interesse por sua situação!


Pensamento:“A melhor solução para pequenos problemas é ajudar pessoas com grandes problemas!”

20
20