A NECESSIDADE DO DEBATE PÚBLICO SOBRE A DOENÇA QUE NOS DIVIDE – POR JAYME VITA ROSO
A importância do diálogo na era da desinformação
“O mundo deve tonar-se mais seguro para a democracia”
(Woodrow Wilson, discurso no Congresso, 2 de abril de 1917)
Na era da internet, é preponderante que haja diálogo aberto e franco entre os cientistas e a sociedade. Na época da rápida difusão de ideias é preciso termos coragem de perguntar: o que sofre o conhecimento científico, que precisa de tempo e estudo para ser divulgado o que conclui e coloca ao serviço da comunidade, quando veiculado por profissionais despreparados que dominam a grande mídia e, não raro, se submetem a interesses estritamente econômicos ou ideológicas?
Reflito sobre isto, condicionado pela pandemia e pelo isolamento.
É sabido que o debate, quando foge dos muros tecnicistas, das universidades e das agências especializadas, como é nosso caso corrente, mostra potencial para seu mau uso, haja vista a complexidade das informações, ignorância ou má-fé de jornalistas e políticos. Podendo ser, as informações, aliadas das Fake News, é preciso nos conscientizarmos das causas e efeitos, não raros danosos para o tecido social, do uso confuso do conhecimento científico por agentes despreparados.
As redes sociais são o grande sintoma desse obstáculo de nossos tempos: um espaço de debate em potencial que poderia fugir do controle da grande mídia, mas que não cumpre o prometido e almejado.
À luz do que me dedico, dou atenção ao artigo de Holden Thorp (editor-chefe da revista Science) que, elucidativamente, nos propõe um pensamento otimista sobre o tema, afirmando que pode haver mérito nas redes sociais, pois “um debate amplo pode também impulsionar a comunicação entre os cientistas e seus pares, além de forçá-los a se abrirem ao grande público” (Science, vol 371. Nº 6526, de 15/01/21, p. 213).
Como aproximar o grande público do conhecimento científico sem ficar dependendo da mídia, de agrupamento políticos ou de interesses subalternos?
É a esta tarefa hercúlea que intento pensar.
Durante a pandemia, o desgarramento entre a sociedade e o mundo científico não apenas se intensificou como se cristalizou, trazendo à tona uma miríade de problemas: negacionismo do vírus e suas medidas profiláticas, grupos anti-vacinação que estão dando fôlego a teorias da conspiração e outras, cooptados, ocasionalmente, por ideólogos políticos com más intenções e que visam o ganho pessoal acima de tudo.
Portanto, ainda que a luta e os percalços da classe de cientistas nas tentativas, às vezes frutíferas e às vezes infrutíferas, de entender o vírus, suas consequências e funcionamento, sejam naturais, as redes sociais têm papel a empreender neste processo?
A cientista Angela Rasmussen (Viróloga associada ao Research Scientist no Center of Infection and Immunity da Columbia University School of Public Health), para citarmos um bom exemplo, faz excelente uso dos meios de comunicação, tentando, de modo acachapante, diminuir as fronteiras entre informação e desinformação, tornando-se Celebrity pela sua coragem durante a pandemia. Discutindo em rádios, TV, twitter e instagram, a cientista e pesquisadora da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, fez-se personalidade e ajuda na disseminação de milhares de artigos de experts na área da saúde. Ajudando e salvando vidas exclusivamente com a internet, sem depender de jornalistas, mas com acesso direto às pessoas e sem depender do escabroso ativismo judicial.
Assim, o uso da internet tem suas qualidades e iniquidades, contudo, apesar dos extensivos males causados pela era da desinformação, também pode fornecer o germe, para que possamos buscar um mundo melhor e mais equilibrado, isto é, em que os cientistas se dediquem em atravessar os espaços que os separam do mundo ordinário com liberdade.
Os cientistas honestos e dedicados já nos alertavam, mas, apesar das evidências científicas, em função de interesses privados e políticos, os avisos não foram levados a sério, talvez pela falta de interesse público que teria sido sanado se tivéssemos transparência e intimidade com a ciência em nosso dia a dia, mas iluminados pela honestidade intelectual indispensável.
Desse modo, acredito e encampo o otimismo de Thorp, que diz:
“A ansiedade parece deslocada. Os dias de debates confidenciais acabaram, e isto para melhor, pois estas reuniões não eram diversificadas e excluíam muitas vozes importantes. Hoje em dia, o público pode acessar os debates científicos independentemente de onde estiverem, transformando o local onde se residia o debate.
O que importa é como o debate é conduzido, quais questões essenciais e a interpretação correta dos dados colocados em pauta. Portanto, para muitos cientistas, o debate público é uma nova fronteira que se assemelha ao Velho Oeste (e até pode ser). Mas é melhor que se esquivar dessas conversações, que precisamos deixar os debates serem transparentes, vigorosos, em qualquer lugar que acontecerem (ibidem, p. 213)”.
Isto que pode vir a se realizar, pois o conflito entre o grande público e o conhecimento especializado pode servir de base para que, fundamentalmente, pesquisadores se conscientizem que a ciência é feita para o bem de todos e que devem debater com o sujeito comum, não se restringindo a seus locais de trabalho e atuação. O que não pode haver é a intervenção indevida de terceiros, munidos de um poder que não lhes é conferido pela Constituição Federal, subvertem tudo no contexto social, arriscando a própria sobrevivência de uma democracia capenga, onde o enfrentamento é ridicularizado e marginalizado.
Em suma, como no campo sofisticado da teologia moral, e adotando o lúcido pensamento do Papa Francisco em Veritatis Gaudium, proponho ser possível e até correto que os cientistas envolvidos em pesquisas sobre a COVID-19 se aproximem nessa tarefa interdisciplinar e transdisciplinar com outros atores que buscam conseguir os mesmos resultados nos seus trabalhos (BOIES, M. Em busca de aproximação transdisciplinar da teologia moral, in: Blog da Accademia Alfonsiana, de 19/02/21. Disponível em: < https://www.alfonsiana.org/blog/2021/02/19/verso-un-approccio-transdisciplinare-della-teologia-morale/ >).
JAYME VITA ROSO – Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é especialista em leis antitruste e consultor jurídico de fama internacional, ecologista reconhecido e premiado, “Professor Honorário” da Universidade Inca Garcilaso de La Vega de Lima, Peru e autor de vários livros jurídicos. Saiba mais.