TÁ COM RAIVA? CONTROLE-SE – POR IVONE ZEGER

E principalmente, cuidado com a língua que, sem osso, desfere palavras sem dó da vítima.

Indignada, já quase fora de si, minha cliente me ligou: “estou há três dias excluindo e-mails, mensagens na rede social e no meu celular. É meu ex-namorado: há uma semana terminamos o namoro e por causa disso ele começou a me agredir com ironias e perguntas nada a ver, sugerindo que eu já estou com outra pessoa e que sou uma ‘interesseira’. Também usa palavrões. Tenho até medo de ligar o computador. Não sei mais o que fazer”.

“Calma”, foi o meu primeiro conselho. Sem histórico anterior de agressividade, soube, então, que estávamos diante de um homem adulto que estava bravo com o fora que levara. Freud pode explicar e sessões de terapia podem até resolver, mas a questão é: ninguém pode sair por aí falando tudo o que a raiva manda dizer. É uma questão de educação, claro, e que “vem do berço”, como diz o ditado. Mas quando o “berço” falha, a Justiça pode ajudar a educar. Eu explico:

Isso que o ex-namorado de minha cliente estava fazendo tem nome: é agressão moral, caracterizada no Código Penal como injúria. São palavras relativamente vagas, não dizem respeito a um fato grave, mas, percebe-se, não só ofendem como podem até acuar, assustar. O artigo 140 do referido código diz que “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro” é passível de pena que pode ser a detenção – de um a seis meses – ou multa. Claro, é preciso provar que a injúria existiu, seja por meio de testemunhas isentas ou mesmo ligações telefônicas, e-mails e até mensagens na rede social.

Para sorte de minha cliente, o rapaz acabou por desculpar-se, reconheceu que saiu do tom e não a perturbou mais. Não foi preciso “enquadrá-lo”. Por outro lado, o que não faltam são casos escabrosos com ex-namorados (as) inconformados (as), ou ex-maridos e ex-esposas ou, pior, a violência doméstica. As pesquisas são taxativas. Na maioria das vezes são os homens que apelam para a ignorância, e de forma bastante contundente. Mas daí não se está falando mais de injúria, e sim, de violência física. Só para lembrar, num ranking mundial de taxas de homicídios femininos, entre 84 países, o Brasil está em 7º lugar, pior do que todos os países da África, por exemplo. Assim, quando o que era injúria se torna agressão física ou ameaça de agressão, ou pior, ameaça de morte, o melhor é acionar a Delegacia da Mulher e a Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, bastante focada na violência doméstica e familiar contra a mulher.

A injúria tem características diversas da calúnia ou difamação, como explicitarei mais adiante. Faço uma pausa para refletir acerca do seguinte aspecto: é preciso atentar para o fato de que, no contexto da família e especialmente na relação entre casais e estes com os seus filhos, a injúria pode ser o primeiro degrau para uma escalada de violência que causa danos irreparáveis. Nenhuma relação sadia se estabelece sem respeito.

Também, claro, a injúria pode acontecer entre parentes para além da família nuclear, como a sogra que investe contra o genro “vagabundo”; o tio que julga inconvenientes os modos da sobrinha adolescente e a qualifica de “maconheira” de forma bem pejorativa; ou o enteado que destrata a madrasta e não perde uma oportunidade para expô-la ao ridículo. Como dizem, “língua não tem osso” e as palavras mesquinhas escapam sem dó da vítima. Muitas dessas situações podem ser enquadradas na lei, mas sem dúvida, o melhor a fazer é apostar na civilidade, no bom humor e em um ambiente de cordialidade, se possível.

E quais são, então, os contextos da calúnia e da difamação?

No Código Penal Brasileiro, o Capítulo V tem o Título I que trata “Dos crimes contra a Honra”. O artigo 138 desse capítulo diz que caluniar alguém é “imputar-lhe falsamente fato definido como crime”. Ou seja, se ao invés de chamar de “interesseira”, o ex-namorado da minha cliente inventasse uma história como: “ela roubava carros”, ou “era uma traficante”, o que era uma simples injúria passa a ser calúnia, com pena de detenção que vai de seis meses a dois anos e multa. E quem ajuda a propalar a calúnia, ou seja, repete como papagaio a acusação feita, sem nem mesmo provar ou saber se é verdade, também é passível de punição. E mais: caluniar os mortos também é crime.

Calúnia e difamação estão bem próximas por atentarem contra a honra objetiva da pessoa caluniada ou difamada mediante um fato ocorrido. Se na calúnia esse fato é um crime, na difamação o fato relatado denigre a pessoa difamada. Por exemplo, supondo que o ex-namorado de minha cliente, além de agredi-la por e-mail ou mensagem de celular – fato que pode se configurar como injúria, como já dissemos –, também falasse mal dela pelas ruas do bairro, inventando, por exemplo, que ela estivesse planejando dar o golpe do baú num hipotético amante, ou que estivesse planejando um golpe na empresa onde trabalha. E por aí vai: a mente humana tem uma facilidade incrível de fantasiar situações. Assim, caracterizada no Código Penal como “imputar fato ofensivo à reputação”, a difamação é passível de pena, que vai de três meses a um ano de detenção, e multa.

De um modo geral, cada vez que se toma conhecimento de fatos bizarros – como fofocas, brigas, baixarias –, nossa primeira reação é nos considerarmos completamente distantes de episódios assim, ou nunca consideramos que seremos nós os causadores delas. Porém, é bom lembrar que estamos num ano bastante agitado, com temas como política e a realização de grandes eventos, como a Copa do Mundo de Futebol, acirrando ânimos que andavam meio adormecidos. Embora ninguém em sã consciência seja a favor de qualquer tipo de censura, é bem interessante pensar quais são os limites das palavras em contextos públicos – como a rede social, uma festa, uma cervejada com os amigos – e até mesmo o limite das palavras no âmbito doméstico. Em épocas tensas, um simples comentário pode ter proporções inimagináveis. Não se trata obviamente de se omitir nas discussões, mas de saber usar palavras apropriadas e, claro, usá-las educadamente.

Aliás, quando o assunto é saber controlar-se, há uma frase de William Shakespeare, dramaturgo e poeta inglês, que eu gosto muito: “É melhor ser rei do teu silêncio do que escravo das tuas palavras.”


Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Doutoranda pela Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires – UBA. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP, do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Família, e do IASP, é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas – da Mescla Editorial – Fanpage: www.facebook.com/IvoneZegerAdvogada e blog: www.ivonezeger.com.br