REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS PELO CONSUMO DE CIGARRO – POR MOYSES SIMÃO SZNIFER
Reiteradas pesquisas científicas confirmam que o consumo de cigarro é prejudicial à saúde, podendo causar câncer, infarto do miocárdio e outras graves enfermidades aos fumantes.
Não obstante, ao contrário do que ocorre em diversos países seus fabricantes vem logrando relativo sucesso perante a Justiça brasileira, não sendo responsabilizados pelos danos causados aos consumidores em decorrência da colocação no mercado de consumo de tão nocivo produto.
Diante disso, deveremos louvar a sentença proferida pela Juíza de Direito Celina Dietrich Trigueiros Teixeira Pinto, da 15.ª Vara Cível de São Paulo que, nos autos do Proc. Nº 0531598-09.2000.8.26.0100, condenou uma empresa fabricante de cigarros a reparar dano moral decorrente de enfermidade causada a uma mulher pelo consumo de cigarros.
Consoante veiculado pelo portal “estadão. com. br”, a autora alegou na petição inicial ter fumado dois maços de cigarro por dia durante quase 50 anos, desde quando ainda estava na adolescência.
Informou ainda que o vício lhe causou complicações pulmonares e em decorrência do tabagismo sofre de “obstrução do fluxo ventilatório”, demonstrada por intermédio de atestado médico que juntou aos autos.
Segundo a literatura médica, essa enfermidade se caracteriza por uma disfunção ventilatória na qual se observa a redução ou limitação dos fluxos expiratórios. Relaciona-se mais comumente à obstrução da passagem do ar pelos pulmões provocada geralmente pela fumaça do cigarro ou de outros compostos nocivos
Após a realização de perícia médica, a sentença proferida condenou o fabricante ao pagamento de indenização no valor de R$20.000,00, reconhecendo a existência de “nexo causal” entre o cigarro e a doença que acometeu a autora.
Destacam-se os seguintes fundamentos do decisório: “A autora não escolheu o vício, nem a doença”. “Não podia escolhê-los, porque não tinha informação suficiente sobre o fato quando lhe foi oferecida a compra de cigarros pela ré. E não se argumente que não há dificuldade em parar de fumar, ou que esta ou aquela porcentagem de norte americanos é formada por ex-fumantes que não utilizaram remédios.”
“É claro que a intensidade da dependência varia de pessoa para pessoa, assim como a dificuldade de livrar-se dela. Entretanto, em nenhuma hipótese é possível dizer-se que um fumante viciado, e fumando dois maços de cigarros por dia, não tenha dificuldades para parar de fumar. Se fosse assim tão fácil, ninguém se disporia a pagar para ingerir remédios caros e a enfrentar os seus efeitos colaterais visando deixar de fumar, e a indústria farmacêutica não se importaria em fabricá-los.”
“Quem já foi viciado que me contradiga”, afirmou a magistrada.
A ação foi ajuizada quando a autora tinha 63 anos de idade. “Fumou por quase 50 anos, antes que se iniciassem as primeiras proibições ou limitações à propaganda de cigarros, e a veiculação de advertência nas caixinhas, visando coibir o fumo e fornecer informação suficiente aos consumidores, a fim de que pudessem efetivamente exercer alguma escolha”, assinalou a juíza. “E, da mesma forma, somente depois de mais de 40 anos é que a autora teve acesso a remédios que pudessem ajudá-la a parar de fumar.”
“É evidente” que a Souza Cruz descumpriu o dever de informação disposto no artigo 6.º. Inciso III do Código do Consumidor, vigente desde 1990. “Somente a partir do ano de 2001 (Souza Cruz) começou a inserir a informação sobre as doenças causadas pelo fumo em suas embalagens. Antes disso, não forneceu informação adequada sobre as características nocivas e os riscos apresentados pelo produto, nem comprovou que deles não soubesse. Ao contrário, admitiu-se ciente desses males, tanto que pretendeu se exigisse da autora o mesmo conhecimento”.(1)
“Desta forma, considerada a prova do nexo causal entre o cigarro e a doença pulmonar adquirida pela autora e o acesso tardio às informações sobre os males do cigarro e aos remédios para parar de fumar, não há como se afastar a responsabilidade da ré. Diante do vício físico e psicológico causado pelo cigarro, aliado à falta de informação suficiente e à ausência de medicamentos adequados para curar a dependência, não se tem como concluir que a autora tivesse mesmo capacidade de escolha consciente que a impedisse de começar a fumar, ou que a fizesse largar o vício.”
“Não se discute, também, que seja lícita a atividade de vender cigarros exercida pela ré, e que o produto não contenha defeito, pois essas são questões irrelevantes diante da responsabilidade objetiva determinada pelo artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor e pelo artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, e que portanto independe da licitude do comportamento ou ainda da verificação da sua culpa do causador do dano, bastando o nexo causal entre o produto vendido e o dano, aliado à ausência de culpa de terceiro ou da vítima, para a caracterização de sua responsabilidade.”(2) (3)
“E não se olvide que a requerida (fabricante do cigarro) não forneceu ao consumidor todas as informações necessárias sobre o produto, mormente em se tratando da possibilidade de dano à saúde, portanto descumpriu a Legislação Consumeirista. O dano moral, por sua vez, é inafastável diante da doença enfrentada pela autora, mal físico infligido pelo consumo do produto fornecido pela ré.”
A par dos fundamentos legais utilizados, cumpre asseverar que o próprio art. 931 do Código Civil determina que: “ Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.”
(1) CDC :Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
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(2) CDC: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – sua apresentação;
II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi colocado em circulação.
§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.
§ 3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I – que não colocou o produto no mercado;
II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
(3) CC:Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Moyses Simão Sznifer
Advogado/Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
Especialista em Contratos e Obrigações pela ESA/SP
Ex-Membro do Ministério Público da União
Professor Universitário.