CENTENÁRIO DA SEMANA DA ARTE. 2022, ANO DE FESTAS – POR FELIPE DAIELLO

Numa primeira análise, podemos afirmar que a Semana da Arte de 1922 foi importante para sinalizar o começo de uma revolução cultural no Brasil, incipiente, gradual, mas permanente.

Quase cem anos mais tarde, quando o Brasil se prepara para comemorar o Bicentenário da Independência, qual o ambiente que uma nova semana de arte encontraria? Qual seria a mensagem?

Artigo apresentado dentro do Projeto das Comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil. Sem muita propaganda e relativo público no Museu de Arte de São Paulo, como uma prévia às comemorações ao primeiro Centenário da Independência do Brasil, com grande exposição preparada no Rio de Janeiro, a capital naquela época, evento que apresentaria um novo país para o mundo, intelectuais e artistas nas artes plásticas e na música davam a sua colaboração.

Não era movimento isolado, pois em todo o mundo havia tendência de recuperar os tempos sombrios da Grande Guerra Mundial, Além das perdas humanas, das destruições de cidades, da necessária recuperação, o Mundo sofria radical transformação.

Quatro Impérios desapareciam, fronteiras eram alteradas, novos países surgiam nos mapas. O poderoso Império Otomano caia em frangalhos, o Império Austro-Húngaro dissolvido, A Prússia perdia territórios e prestígio e o Império Russo era substituído por nova corrente política e filosófica. Outra maneira de resolver os problemas da humanidade, reduzindo desigualdade, altera mentes e fanatiza almas.

Com o término da gripe espanhola, epidemia e praga que ultrapassam todas as fronteiras, matando tanto como a hecatombe da guerra das trincheiras e dos ataques com gases mortíferos, a alegria deveria substituir longo período de sofrimentos, de mortes e de mutilações. Paris é uma festa só atraindo artistas, escritores e intelectuais. Berlim ressurge nos cabarés, no cinema e na arquitetura; a liberdade total para todos os vícios possíveis, para o jogo, para prostituição é o lema da Cidade livre de Tanger na África Marroquina. Na América, a noite é animada pelo álcool e por novas músicas, o vestuário mais leve, saias mais curtas mostram porções generosas de coxas e pernas. Xangai, cidade internacional, mistura os vícios ocidentais com os da China, enquanto acolhe nobres, militares, soldados estrangeiros e pessoas que fogem da Revolução Bolchevique pela Transiberiana.

O mundo vira de ponta cabeça, a ousadia vai encontrar pintores, escritores que veem a oportunidade para substituir antigos valores: Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Picasso, Mondrian, Matisse, Marc Chagal, Geórgia O’ Keeffe…

No Brasil entre os inovadores mais famosos encontramos: Carlos Drummond de Andrade, Villa Lobos, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Mario de Andrade, Oswaldo de Andrade, Graciliano Ramos, Brecheret, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Vinicius de Moraes, Cecilia Meireles…

No nosso Rio Grande, Dyonélio Machado, médico de quarai, precursor nos estudos de psiquiatria, começa trabalho pioneiro na literatura modernista. Muito antes de Garcia Marques receber reconhecimento mundial, tem em gestação “Os ratos”, livro que vai surpreender os críticos e os leitores. Erico Veríssimo, mais do que diplomata, como editor e tradutor com a Livraria do Globo traz livros e autores da cultura inglesa, substituindo velhos conceitos e padrões vindos da França inicia nova revolução, agora literária.

Numa primeira análise, podemos afirmar que a Semana da Arte de 1922 foi importante para sinalizar o começo de uma revolução cultural no Brasil, incipiente, gradual, mas permanente.

Quase cem anos mais tarde, quando o Brasil se prepara para comemorar o Bicentenário da Independência, qual o ambiente que uma nova semana de arte encontraria? Qual seria a mensagem?

O século XXI começa avassalador no setor das comunicações, na transmissão de dados, na formação de novos mercados e do crescimento espantoso da China e o encolhimento da União Soviética tanto em população quanto em poder político. A queda do Muro de Berlim em 1989, como a queda da Bastilha em 1789, marcos centenários, sinalizaram mudanças nos padrões globais do nosso planeta. Não podemos ficar cegos, surdos e mudos para o avanço das Rodas da Fortuna. Nações que viviam sob o manto de uma cortina de ferro, agora despertam para outra realidade, para novas soluções econômicas, inclusive abolindo e proibindo a divulgação e a propaganda anteriormente impostas pelos Partidos Comunistas. A Romênia, a Polônia e a Ucrânia encabeçam a lista. A saída a Grã-Bretanha da Comunidade Europeia é reação ao excesso de regras e da burocracia imposta pela Tróica de Bruxelas o que acarreta ruídos na estabilidade atual da Europa.

O avanço econômico e tecnológico de alguns países, como o da Coreia do Sul e da China, ao lado do atraso ideológico e da corrupção endêmica de outros, bem como os erros do foco da educação priorizando o social medieval contra o tecnológico do futuro, aumenta o fosso entre as nações.

A crise na África com guerras civis e tribais, com doenças endêmicas, com ditaturas sanguinárias e perpetuas, com dirigentes formados na Universidade Patrice Lumumba de Moscou, com generais ocupando feudos isolados de poder, com as secas e a infestação de gafanhotos, agora com o incremento dos ataques dos fundamentalistas islâmicos, provoca emigração intensa para países que fecham as suas fronteiras, pois não podem absorver todos os que chegam. Para piorar a situação, as péssimas condições sanitárias, os costumes ancestrais de mutilação das genitais das mulheres, os hábitos alimentares usando a carne de macacos, permitem a transmissão de doenças desconhecidas para os de fora. Outra barreira a vencer.

Doenças como o Ebola, o Sars e as associadas ao Corona Vírus provocam pânico pela contaminação rápida e pela propagação associada à globalização das viagens e dos negócios. A internet altera as comunicações retirando o poder de jornais e das televisões. Partidos políticos e formadores de opinião perdem credibilidade, pois dados, fotos e notícias chegam em primeira mão antes dos noticiários da noite. Outra revolução é possível com o uso de celulares 4 e 5 G, em segundos uma ideia ou contrainformação é disparada para milhões de pessoas.

A Coreia do Sul é exemplo clássico de como ultrapassar as barreiras da pobreza. Começando pela educação, pela disciplina ensinada nos bancos escolares, pela capacidade de trabalho estimulada pela meritocracia, pelo combate à corrupção e pelo controle pessoal do lixo produzido. Pesquisas procuram manter a produção sustentável da pesca, pois 80% da proteína do país vem do mar. Depois da indústria naval, os investimentos estão focados em grande parte nas comunicações. Seus estudantes, com bolsas disputadas ocupam a maioria das vagas para estrangeiros nas mais prestigiadas universidades do mundo, sendo requisitados pelas maiores corporações industriais pela sua eficiência e preparo para enfrentar os desafios do século XXI. Até em Hollywood o sucesso é atingido.

Israel seria outro modelo, sem petróleo, carvão e metais, sem grandes industrias, depois da aposta na agricultura da irrigação, desenvolve a tecnologia de ponta criando o pen-drive, aperfeiçoando o celular, as técnicas da moderna segurança, a gestão avançada nas corporações e agora na moderna medicina, nos remédios e em novos métodos para vencer o câncer.

Não esquecer a influência e a expansão da religião muçulmana; seus radicais fundamentalistas estão por trás da maioria dos conflitos que perturbam o nosso planeta, as minorias cristãs em seus territórios são as que mais sofrem por atos de barbárie e de atraso. Uma nova Jihad é atual e veio para ficar.

Num caldo de troca de ideias, muita antagônicas, entre ambientalistas, religiosos, veganos, socialistas, anarquistas, marxistas, ingênuos e realistas, o certo é uma guerra ideológica instalada, não há consenso, discutem-se problemas, nunca as soluções.

– A melhor política social não é o emprego?

A resposta é positiva, mas a evolução tecnológica elimina funções tradicionais e exige conhecimentos que a maioria não dispõe. Como enfrentar o desafio sem ser extinto como os dinossauros?

A raça humana, entre bandeiras do atraso estatal, o grande chefe protetor das minorias, mas preservador de privilégios para sua nomenclatura, exige readaptações e modernizações.

Importante saber onde as Rodas da Fortuna avançam, evitando que o exagero legal e a burocracia desestimulem as pessoas com a capacidade de criar riqueza. O conceito da boa gestão deve ser a meta principal. Não interessa a quantidade do gasto público, mas sim a qualidade das despesas e a eficiência no seu gasto, evitando que os recursos dos que trabalham sejam usados na maior parte para pagamentos de aposentadorias, de pensões e penduricalhos abusivos. Incentivar os empreendedores capazes de novas ideias, multiplicando empregos com maior remuneração é o primeiro passo. Necessário copiar os sucessos que ocorrem no planeta, pesquisar e garimpar os gênios com potencial na arte de descobrir novos negócios, os pioneiros que o progresso demanda.

O que vamos usar nos próximos 25 a 40 anos ainda não saiu da fase de projetos o que abre possibilidades imensas para futuros milionários. Como entrar nessa corrente é o problema atual do Brasil. Apesar das dificuldades, nesse século cerca de 800 milhões de pessoas ultrapassaram a linha da pobreza, principalmente na China, na Índia, na Coreia e no Vietnam.

Em discussão acadêmica entre escritores e intelectuais com apoiadores da iniciativa privada a fábula de La Fontaine toma vida.

– O que seria a existência das formigas sem a alegria e os cantos das cigarras! – Famoso pelas obras publicadas, defendendo a sua classe, com belas palavras justifica a tristeza escura e sem e monótona de sociedade sem cigarras. A resposta veio rápida e direta:

– Sim. Todos concordam. Só que há tantas cigarras que não escrevem, que não tocam instrumentos, não pintam e nunca subiram nos palcos e exigem serem alimentadas pelas formigas.

Antes do contradito, outra contestação toma forma:

– O pior é que algumas cigarras, sem nenhum talento, assumem função de legisladores e de burocratas para controlar, vigiar, taxar e multar as atividades das trabalhadoras. Exigem cotas adicionais, trabalhos mais intensos, pois as necessidades sociais crescentes exigem mais sacrifícios.

– Imaginem se as formigas, de modo coordenado e em revolta silenciosa fossem sumindo, indo para lugares perdidos. O que seria das cigarras e do seu mundo só de alegria e sem a habilidade de prover a própria existência?

O silêncio longo por segundos trouxe a resposta adequada:

– Como mestres na comunicação as cigarras devem defender e apoiar as esquecidas formigas, sem nenhuma restrição ou reticências. A harmonia entre elas é fundamental para a necessária convivência. Cosimo de Médici, no século XV, banqueiro, mecenas e fundador da dinastia Médici que elege dois papas recomenda aos seus filhos:

“Precisamos prover os artistas e pintores para que não morram de fome. Na sua arte, muitos são incapazes de obter o pão do dia. A maioria só será reconhecida após a morte.”

Para 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil e do centenário da Primeira Semana de Arte, o que podemos esperar dos nossos intelectuais, artistas e escritores? O que criar para futuro incerto, para onde dirigir esforços para evitar que a humanidade escolha caminho errado retornando à escuridão e à aparente proteção das cavernas primitivas?


FELIPE DAIELLO – Professor, empresário e escritor, é autor de inúmeros livros, dentre os quais “Palavras ao Vento” e ” A Viagem dos Bichos” – Editora AGE – Saiba mais.

www.daiello.com.br

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