NÃO DEIXE SUA HERANÇA NA MÃO DO CONSULTOR FINANCEIRO – POR IVONE ZEGER

Ao contratar o VGBL ou PGBL, o investidor pode indicar quem ele deseja como beneficiário e determinar o quanto de recursos destinará a cada um: filhos, companheiros, cônjuges, netos, sobrinhos, inclusive pessoas completamente desconhecidas da família.

A previdência privada como item de planejamento sucessório é a bola da vez nas discussões entre consultores financeiros, tributários, advogados da área de sucessão e herança e aqueles que buscam caminhos para a partilha de seus bens. Isso porque parece existir uma tendência das instituições financeiras, por meio de seus consultores, a usar errado o que existe para que se faça a coisa certa!

Criadas em 2002, o PGBL e o VGBL são modalidades de previdência privada oferecidas pelas instituições financeiras; o PGBL é um complemento de aposentadoria que oferece desoneração do imposto de renda, indicado aos que fazem a declaração completa. Já o VGBL não oferece desoneração, é indicado aos que optam pela declaração simplificada do imposto de renda. São considerados, também, opções para diversificação de investimentos, incentivos à disciplina para a reserva de recursos. Ganham característica de seguro de vida ao permitirem a indicação de beneficiários, que na hipótese de falecimento do investidor, recebem o valores indicados sem a necessidade de aguardar qualquer burocracia. Por desconhecimento da lei, o consultor oferece a modalidade com o seguinte argumento: “o VGBL não entra no seu inventário, fique tranquilo”. Aqui começa, de verdade, a confusão.

Ao contratar o VGBL ou PGBL, o investidor pode indicar quem ele deseja como beneficiário e determinar o quanto de recursos destinará a cada um: filhos, companheiros, cônjuges, netos, sobrinhos, inclusive pessoas completamente desconhecidas da família. As instituições financeiras não impõem regras quanto à determinação desses beneficiários, que podem ser substituídos a qualquer momento. Por interesses pessoais ou econômicos, ou por conta de conjunturas específicas de mercado, quem tem bens pode vendê-los e investir o dinheiro decorrente dessas vendas no VGBL. E se é verdade que o VGBL “não entra no inventário”, como afirmam os consultores, os limites previstos nas leis de sucessão e herança podem, nesse contexto, se tornar inócuos.

As leis de sucessão e herança têm uma matemática que é até simples: 50 por cento do patrimônio do falecido são obrigatoriamente destinados aos herdeiros necessários, é a chamada “legítima”. Os outros 50 por cento, parte chamada “disponível”, podem ser destinados pelo autor da herança a quem ele desejar, por meio de testamento. Os herdeiros necessários são: descendentes; na falta destes, os ascendentes e sempre em concorrência com cônjuge ou companheiro.

Quando a maior parte do patrimônio, ou quantia considerada bastante significativa pelos herdeiros necessários, foi investida em VGBL ou PGBL, com vantagens evidentes a um beneficiário, um ou mais herdeiros podem se sentir prejudicados, seja perante pessoas desconhecidas que foram beneficiadas ou perante os demais herdeiros. Nesse caso, é o judiciário que analisa todo o patrimônio que integra o inventário, verificando excessos ou deficiências na alocação dos recursos nessas modalidades, assim como doações feitas em vida, em relação ao conjunto do patrimônio. Ou seja, uma vez que se verifique o desequilíbrio, será, obrigatoriamente, realizada a colação dos bens doados em vida, incluindo os daqueles beneficiados por VGBL ou PGBL. Isso significa o retorno dessas doações ao inventário para serem redistribuídas.

O mesmo pode acontecer com os valores alocados em VGBL e PGBL destinados a um beneficiário que não está na linha sucessória. Os herdeiros necessários podem questionar somente o montante que ultrapassar os limites de 50 por cento da parte disponível, previstos em lei. Importante lembrar que essa parte disponível da herança necessita de testamento para ser destinada a um herdeiro que não é necessário, ou seja, que não está na linha sucessória. Quando não há testamento, a parte disponível acaba por se juntar à legítima, compondo o total de bens destinados aos herdeiros necessários. Ou seja, também a partir dessa regra, pode haver contestação dos herdeiros necessários se houver apenas a indicação como beneficiário(s) em investimentos como o VGBL e PGBL e não uma determinação em testamento. De fato, tudo dependerá do quanto os herdeiros respeitam ou não a vontade do falecido e de inúmeras variantes de caráter emocional e ético.

Por isso, ao optar por investimentos como os VGBL e PGBL, atente aos limites da lei ao indicar beneficiários e dispor de quantias. Aliás, quem pretende distribuir seus bens de forma justa, seja para seus herdeiros ou para pessoas que não estão na linha sucessória, o melhor recurso é o planejamento sucessório. É lícito querer beneficiar uma ou mais pessoas, da família ou não, especialmente quando há desníveis socioeconômicos, por exemplo, entre irmãos; ou um amigo de uma vida inteira que obterá grande proveito se for beneficiado com um legado. A questão é que há maneiras corretas de fazê-lo. Quanto aos consultores financeiros, são excelentes para cuidar do seu dinheiro enquanto você está vivo.


Dra. Ivone Zeger

Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões

Autora das obras Família Perguntas e Respostas; Herança Perguntas e Respostas; Direito LGBTI Perguntas e Respostas – Mescla Editorial.

ivone@zeger.com.br

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