Um  constrangimento chamado hiperidrose – Dr. Paulo Kauffman

A hiperidrose não mata, mas interfere significativamente na qualidade de vida, causando constrangimentos ao paciente.

A sudorese fisiológica constitui importante fator no mecanismo de termorregulação do organismo, sendo normalmente imperceptível e permitindo sua sobrevivência em ambientes onde a temperatura é elevada. Nessa circunstância, a única maneira de perder calor é por evaporação do suor produzido por glândulas sudoríparas altamente desenvolvidas, ou ingestão de substâncias geladas. Hiperfunção dessas glândulas pode ocorrer fisiologicamente durante aclimatação a um ambiente quente, durante e após exercícios físicos, na menopausa, na obesidade ou por estímulos psíquicos (medo, emoções violentas, etc.). Também pode se manifestar secundariamente, principalmente em doenças endócrinas como no hipertireoidismo e diabetes. No entanto, há indivíduos que transpiram excessivamente em determinadas áreas do corpo sem que haja motivação aparente para que isso ocorra, caracterizando o que conhecemos como hiperidrose primária, essencial ou emocional

A secreção do suor é estimulada pelo sistema nervoso simpático que constitui parte do chamado sistema nervoso autônomo porque funciona independente da nossa vontade. No organismo temos 2 sistemas nervosos: o voluntário que depende de nossa vontade e que é responsável, por exemplo, pela movimentação de braços e pernas e o involuntário, também chamado autônomo porque independe de nossa vontade e é responsável, por exemplo, pela movimentação do nosso intestino, pelo controle dos batimentos cardíacos e pela produção de suor.

Apesar de estarem dispersas pelo organismo, as glândulas sudoríparas(que produzem o suor) localizam-se em maior quantidade na palma das mãos, planta dos pés e axilas. A hiperidrose primária ocorre predominantemente nessas regiões, tem caráter simétrico, podendo, também, se manifestar no segmento crânio-facial. A hiperidrose palmo-plantar (geralmente estão associadas) costuma surgir na infância, agravando-se na época da puberdade, período de transição onde a instabilidade emocional se acentua. Algumas vezes há melhora da condição com o amadurecimento psíquico do paciente, porém, muitas vezes, a hiperidrose persiste durante toda a vida. Já a hiperidrose axilar geralmente surge na época da puberdade e a crânio-facial, habitualmente, na idade adulta.

Essa sudorese excessiva só se manifesta quando o indivíduo está acordado, não ocorrendo no paciente sedado ou dormindo. Não há explicação satisfatória para a hiperidrose emocional; admite-se que haja, em certos indivíduos, estimulação do sistema nervoso simpático, possivelmente em nível central, provocando sudorese exagerada nas extremidades, além daquela necessária para as necessidades de termorregulação.

Incide igualmente em ambos os sexos, porém, pelo fato das mulheres, por seu próprio temperamento, serem mais suscetíveis aos estímulos psíquicos adversos e, consequentemente, procurarem tratamento com maior frequência, fica a impressão de que a hiperidrose predomina no sexo feminino.. No Brasil não temos estudos epidemiológicos sobre essa condição. Com base em dados da literatura internacional, sabemos que 1 a 3% da população apresenta essa afecção.

Existem evidências de que a hiperidrose tem caráter hereditário. Já existem trabalhos na literatura referindo esse fato e, em nossa experiência, 44% dos pacientes por nós operados tinham um parente de 1º grau com o mesmo problema.

A hiperidrose não mata, mas interfere significativamente na qualidade de vida, causando constrangimentos ao paciente.

A hiperidrose palmar, na grande maioria dos casos, reveste-se de maior importância clínica do que a plantar ou axilar, criando problemas nas esferas educacional, social, profissional e afetiva de extrema importância, agravando as alterações de personalidade já existentes nesses pacientes. Assim, esses indivíduos molham todas as estruturas que tocam, dificultando a escrita, a leitura e as atividades escolares de uma maneira geral. Pais ignorantes podem castigar o filho por acharem que ele está molhando propositalmente os cadernos e os livros, como tivemos a oportunidade de observar. Do ponto de vista social e afetivo, estes pacientes se retraem, evitando apertos de mãos e participar de festas, dançar e namorar; costumam utilizar, quase permanentemente, lenços nas mãos para poder secá-las. Profissionalmente, a hiperidrose palmar pode incapacitá-los para exercer trabalhos em vários campos da atividade humana. Assim, trabalhadores industriais, portadores dessa afecção, que manipulam metais têm sido rotulados de “enferrujadores” por causa da ação corrosiva de seu suor. Outras atividades podem se tornar perigosas nessa circunstância, como, por exemplo, pacientes que lidam com materiais elétricos e equipamentos eletrônicos.

A hiperidrose plantar, frequentemente, associa-se à palmar e é agravada pelo uso de sapatos fechados que dificultam a evaporação e favorecem a maceração da pele. A umidade constante propicia o aparecimento de infecções fúngicas ou bacterianas, ocasionando odor desagradável não somente nos pés, como também nas meias e sapatos. As mulheres se queixam que não conseguem usar sandálias porque escorregam quando o fazem.

A hiperidrose axilar costuma se manifestar na época da puberdade, com a produção aumentada dos hormônios sexuais; também causa embaraços sociais ao paciente, pois o suor escorre pelo corpo, molhando e danificando as roupas. O paciente evita usar roupas coloridas, preferindo sempre usar as brancas e/ou pretas e, por vezes, lança mão de artifícios como rolos de papel ou mesmo absorventes higiênicos nas axilas.

Da mesma forma, a hiperidrose craniofacial pode se constituir em manifestação constrangedora tanto social, como profissionalmente, pois dá a impressão, ao interlocutor, de sensação de insegurança. Assim, por exemplo, tivemos um caso de um dentista que tinha esse problema e quando ia manipular a boca do paciente, transpirava excessivamente, transmitindo insegurança ao paciente.

A hiperidrose palmar predomina sobre a plantar e axilar na queixa do paciente. Entende-se esse fato porque as mãos constituem segmento de relação do indivíduo com outras pessoas e também com o meio em que vive. As extremidades afetadas, por transpirarem excessivamente, apresentam-se frias e, por vezes, arroxeadas.

Dependendo da intensidade, a hiperidrose pode ser tratada clínica ou cirurgicamente. O tratamento clínico pode ser feito com o uso local de sais de alumínio que obstruem os dutos das glândulas do suor. Têm o inconveniente de causar irritação da pele. Medicamentos orais que atuam nas glândulas do suor, diminuindo sua secreção, têm sido usados com sucesso. O efeito colateral mais importante desses medicamentos é a sensação de boca seca, que pode ser minimizado com emprego de doses pequenas inicialmente, e aumento progressivo de acordo com a resposta do paciente. Outros tratamentos propostos são o uso de correntes elétricas aplicadas a soluções que banham as mãos (iontoforese) ou injeções da toxina botulínica aplicada nas mãos ou axilas, cujo efeito é transitório, durando quatro a seis meses. O único tratamento definitivo para essa condição é o cirúrgico que consiste na retirada da cadeia simpática (simpatectomia) na extensão necessária para abolir a sudorese na região afetada. Desde a década de 1990, temos utilizado a simpatectomia por vídeo-toracoscopia, técnica que consiste em duas pequenas incisões de cada lado do peito e utilização de sistema de vídeo, com excelente aceitação por parte dos pacientes e resultados bastante satisfatórios. Quando a hiperidrose é só axilar, pode-se fazer uma operação local, retirando-se glândulas sudoríparas das axilas.


Dr. Paulo Kauffman

Dentre outras atividades, o Dr. Paulo Kauffman trabalhou como Professor-Assistente da Disciplina de Cirurgia Vascular do Departamento de Cirurgia da FMUSP – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde permaneceu até 2010, quando foi aposentado compulsoriamente; ministrou aulas nos curso de graduação e pós-graduação da FMUSP e de outras faculdades e diz com orgulho ter orientado e ajudado os residentes a realizar cirurgias vasculares, sendo, inclusive, orientador de alunos da pós-graduação.

Foi diretor da Cirurgia Vascular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões – Capítulo de São Paulo, organizando atividades da especialidade nos congressos patrocinados pela sociedade médica e Diretor do Departamento de Pronto Socorro da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo até sua extinção.

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