Envelhecer – Por Simon Jacobson

A visão judaica sobre idade e aposentadoria baseada nos ensinamentos do Rebe

A Torá considera a idade avançada como uma virtude e uma bênção. No decorrer da Torá, “velho” (zakein) é sinônimo de “sábio”; a Torá nos ordena a respeitar todos os idosos, independentemente de sua erudição e piedade, porque os muitos desafios e experiências que cada ano adicional da vida traz abrigam uma sabedoria que o jovem prodígio mais realizador não pode igualar. Descreve Avraham como aquele que “era velho, entrado em dias” (Bereshit 24:1) – seus dias acumulados, cada qual repleto de estudo e realização, significava que com cada dia que passava seu valor aumentava. Assim, uma velha idade é considerada como uma das maiores bênçãos concedidas sobre o homem.

Isso está em flagrante contraste com a atitude prevalecente nos países “desenvolvidos” do mundo atual. No mundo ocidental do Século 20, idade avançada é uma responsabilidade. A juventude é vista como o credencial mais alto em todo campo, dos negócios ao governo, onde uma geração mais jovem insiste em “aprender com os próprios erros” em vez de construir sobre a experiência de vida dos mais idosos. Aos 50 anos, uma pessoa é considerada “acima da montanha” e já está recebendo pistas de que seu cargo seria mais bem preenchido por alguém vinte e cinco anos mais jovem; em muitas empresas e instituições, a aposentadoria é obrigatória aos 65 anos ou até antes.

Assim a sociedade ordena que os últimos anos da pessoa sejam marcados pela inatividade e declínio. Os idosos são obrigados a sentir que são inúteis, se não um encargo, e fariam o melhor se fossem confinados a aldeias de aposentados e lares de idosos. Após décadas de conquistas, seu conhecimento e talento de repente passam a ser inúteis; após décadas contribuindo com a sociedade, eles de repente são recipientes inúteis, gratos pelo tempo que a geração mais jovem tira do trabalho para passar meia hora conversando com eles sem contar com a obrigatória gravata, presente no Dia dos Pais.

Na superfície, a atitude dos dias de hoje parece pelo menos parcialmente justificada. Não é um fato que uma pessoa enfraquece fisicamente quando avança na idade? Sim, a inatividade da aposentadoria tem sido mostrada como um fator chave na deterioração dos idosos; mas ainda não é um inescapável fato da natureza que o corpo de alguém com 70 anos não é o corpo de alguém com 30 anos?

Mas este, exatamente, é o ponto: o valor de uma pessoa deve ser medido pela habilidade física? Pelo número de horas-homem e voos intercontinentais que podem ser extraídos dele por semana? O que está em questão aqui é mais que uma desfranquia de um segmento inteiro da população cujo único crime é que eles nasceram uma ou duas décadas antes que o resto; nossa atitude para com os idosos reflete nossa própria concepção de “valor”. Se a força física de uma pessoa tem diminuído enquanto sua sagacidade e visão tem aumentado, vemos isso como uma melhora ou um declínio? Se o resultado da pessoa diminuiu em quantidade mas aumentou em qualidade, seu valor aumentou ou diminuiu?

Na verdade, um jovem de vinte anos pode dançar a noite inteira enquanto sua avó se cansa após alguns minutos. Mas o homem não foi criado para dançar durante horas. O homem foi criado para tornar a vida na terra mais pura, mais brilhante e mais sagrada do que era antes que ele entrasse em cena. Vista sob essa luz, a maturidade espiritual dos idosos mais do que compensa a sua força física diminuída; na verdade, a diminuição dos anseios físicos de alguém pode até ser utilizada como uma conquista espiritual, pois permite uma reordenação positiva de prioridades, que é muito mais difícil na juventude quando a busca por ganhos materiais está no auge.

Certamente, a saúde física do corpo afeta a produtividade. Vida é um casamento de corpo e alma, e está na fase mais produtiva quando nutrida por um bom físico bem como por um espírito saudável. Mas os efeitos do processo da idade sobre a produtividade de uma pessoa são determinados pela maneira que ela considera este casamento e parceria.

O homem não foi criado para dançar durante horas, mas para tornar a vida na terra mais pura, mais brilhante e mais sagrada do que era antes que ele entrasse em cena.

Qual é o meio e qual é o fim?

Se a alma nada mais é que um motor para dirigir a busca das necessidades do corpo, então o enfraquecimento do corpo físico com a idade traz consigo também uma deterioração espiritual – uma descida ao tédio, futilidade e desespero. Mas quando alguém considera o corpo como um acessório da alma, o oposto é verdadeiro: o crescimento espiritual da idade revigora o corpo, permitindo que a pessoa leve uma existência produtiva pelo tempo que o Todo Poderoso lhe conceder o dom da vida.

Vida: Uma Definição

Porém, há mais do que isso. Há mais na diferença entre a perspectiva da Torá sobre idade e aquela do mundo moderno que a clássica dicotomia entre corpo e alma, mais do que a questão da prioridade material versus espiritual.

Na base da instituição da aposentadoria está a noção de que a vida é composta por períodos produtivos e não-produtivos. Os primeiros 20-30 anos da vida são vistos como um tempo de pouco ou nenhuma conquista, enquanto a pessoa adquire conhecimento e treino em preparação para o período produtivo da vida. Os próximos 30-40 anos são o tempo no qual suas energias criativas são usadas; ele agora devolve aquilo que foi investido nele pelos mais velhos agora passivos, e investe, por sua vez, em uma geração passiva mais jovem. Finalmente, quando ele entra em seus “anos de crepúsculo”, coloca seu período de conquista “real” atrás dele; trabalhou duro “toda sua vida”, portanto agora deveria sossegar e apreciar os frutos do seu trabalho. Se o anseio criativo ainda agita seu corpo que envelhece, ele é aconselhado a encontrar algum passatempo seguro com o qual preencher seu tempo. Na verdade, o tempo agora é algo a ser “preenchido” e passado enquanto ele manda embora seus dias sobre os lados da vida, seu conhecimento e habilidades despachadas no umbral da idade avançada. Ele agora está retornando ao pleno ciclo da sua infância: mais uma vez é um recipiente passivo num mundo moldado e dirigido pela iniciativa dos outros.

A Torá, no entanto, não reconhece essa distinção entre as fases da vida, pois vê a produtividade como a própria essência da vida: as palavras “um período de vida não produtiva” são um oximoro. Há marcantes diferenças entre infância, vida adulta, etc., mas essas diferem na maneira, não no fato, da produtividade de uma pessoa.

Aposentadoria e o desfrute passivo dos frutos do próprio trabalho também têm seu tempo e lugar – no Mundo Vindouro. Nas palavras do Talmud: “Hoje é o dia para fazer; amanhã, de colher a recompensa”. O próprio fato de que D’us concedeu a uma pessoa um único dia adicional de vida corporal significa que ela ainda não concluiu sua missão na vida, que ainda há algo para ela atingir neste mundo.

Quando alguém considera o corpo como um acessório da alma, o crescimento espiritual da idade revigora o corpo, permitindo que a pessoa leve uma existência produtiva pelo tempo que o Todo Poderoso lhe conceder o dom da vida.

Assim, o aforismo “O homem nasceu para a labuta” (Job 5:7) expressa um fato básico da natureza humana. Uma pessoa sente verdadeira satisfação somente com algo que adquiriu por seu próprio esforço e iniciativa; presentes não merecidos e esmolas (“o pão da vergonha” na terminologia cabalística) são negativos e desumanizadores. Como diz a Torá: “Uma pessoa deveria usar até mesmo uma única medida de seu próprio grão que nove medidas do grão de seu colega”.

Um adulto que trabalha, pressionado pelas exigências da vida, pode se lembrar nostalgicamente do “paraíso” da sua infância como uma época de liberdade de trabalho e responsabilidade. Quando criança, no entanto, ele desprezava este paraíso, desejando somente fazer algo real e criativo. Desafie uma criança com responsabilidade, e ela irá florescer; trate-a como um recipiente passivo de “educação”, não-produtivo, e ela vai crescer rebelde e desanimada. Pois a criança, também, está viva, e portanto anseia por realização; desde o momento do nascimento já está ativamente influenciando o seu redor, mesmo que seja apenas estimulando seus pais com sua sede de conhecimento e afeição.

O mesmo se aplica a adultos de todas as idades. A promessa de uma “aposentadoria feliz” é um mito cruel; a própria natureza da vida humana é que o homem conheça a verdadeira felicidade somente quando contribui criativamente com o mundo que habita. O estado físico enfraquecido da idade avançada (ou doença, D’us não o permita) não é uma sentença de inatividade, mas um desafio para encontrar novos – e superiores – caminhos de realização.

Por quê

Na verdade, esta é a natureza humana: a vida tem significado somente quando é produtiva. Mas por quê? Por que o ser humano foi construído assim?

Porque D’us criou o homem para ser Seu parceiro na criação. O Midrash nos diz que “D’us diz ao justo: Assim como Eu sou um criador de mundos, você, também, deveria ser.” O Midrash também relata uma conversa entre um filósofo grego e o sábio talmúdico Rabi Hoshia: “Se a circuncisão é desejável para D’us,” perguntou o pensador ocidental, “por que Ele não criou Adam circuncidado?”

Rabi Hoshia respondeu: “Tudo que foi criado nos seis dias da criação exige ajuste e melhora pelo homem; a semente de mostarda precisa ser adoçada, o trigo deve ser moído…”

D’us criou especificamente um mundo não terminado para o homem desenvolver e aperfeiçoar. D’us é o supremo iniciador e doador, concedendo-nos existência e vida, nos equipando com faculdades e recursos. Mas D’us queria mais que recipientes passivos de Seus presentes. Ele queria uma parceria conosco, uma parceria na qual iríamos criar e dar como Ele cria e dá, e Ele iria receber de nós como recebemos Dele. Então Ele fez do anseio pela realização a própria essência da vida humana.

Um Curso de Ação

Permanece o triste fato, porém, de que a aposentadoria, obrigatória ou não, é um fato da vida moderna. Ano após ano, destrói milhões de vidas e condena valiosos recursos humanos (na verdade, os recursos humanos mais valiosos que possuímos como uma raça) para desperdício total ou quase total. O que alguém vai fazer face a essa tragédia humana e social? Deveria embarcar numa campanha para mudar essa prática e o sistema de valores por trás dela? Deveria procurar o lado mais brilhante da aposentadoria e procurar utilizar seus aspectos positivos?

A própria natureza da vida humana é que o homem conheça a verdadeira felicidade somente quando contribui criativamente com o mundo que habita.

Na verdade, devemos fazer ambos. Devemos mudar as atitudes dos líderes dos mundos corporativo e profissional, e da sociedade como um todo. E principalmente, devemos mudar a auto-percepção dos idosos (e dos quase idosos, e dos quase-quase idosos). Devemos dizer a eles: Você não é inútil; pelo contrário, é uma conquista maior para a sociedade do que antes, e a cada dia que passa seu valor aumenta. As mudanças na vida que você está passando como resultado do avanço em seus anos não são um motivo para aposentadoria da vida produtiva, mas a oportunidade de descobrir maneiras novas e mais significativas para desenvolver a si mesmo e aquilo ao redor.

A vida longa é um presente divino, e o Todo Poderoso certamente abasteceu você com todas as ferramentas para realizar isso de maneira ótima. Ao mesmo tempo, devemos explorar as chances que a instituição da aposentadoria nos apresenta. Se há incontáveis homens e mulheres aposentados procurando desesperadamente maneiras de preencher seu tempo, vamos estabelecer para eles centros de estudo de Torá, onde possam ficar várias horas ao dia e aumentar seu conhecimento e produtividade. Vamos abrir estes centros em toda comunidade e dar aulas e promover atividades em todo lar para idosos.

Se os conflitos do local de trabalho impediram muitos de adquirir a perspectiva iluminadora da Torá sobre a vida em seus anos da juventude, a aposentadoria dá uma oportunidade dourada de aprender e crescer. A educação, como a produtividade, é um esforço para a vida toda.

A Torá dará a eles uma nova perspectiva sobre a vida. Vai esclarecê-los sobre seu verdadeiro valor e potencial, e transformá-los de fúteis “já foram” em faróis de luz para suas famílias e comunidades. A aposentadoria, se usada adequadamente, pode ser dirigida como a força mais potente rumo à sua suprema erradicação da mente e da vida do homem.

Nota do Editor:

Este ensaio é baseado em palestras do Rebe em seu 70º aniversário, 11 de Nissan de 5732 (26 de março de 1972), e dez anos depois em seu 80º aniversário. Nessas duas ocasiões, o Rebe recebeu dezenas de milhares de cartas com bons votos vindas do mundo inteiro; dentre essas havia várias que sugeriam que talvez fosse a hora de ele pensar em “diminuir o ritmo” e “descansar um pouco” após suas muitas décadas frutíferas como líder a ativista. A resposta do Rebe foi um forte ataque ao próprio conceito de “aposentadoria” aqui articulado. O Rebe também abordou o tema em várias outras ocasiões, incluindo uma série de reuniões no Shabat no verão de 1980. Ele então sugeriu o estabelecimento de centros de estudo de Torá para os idosos. Centenas desses centros de estudo –chamados, por sugestão do Rebe, Tiferet Zkeinim (“A Glória dos Idosos”) – desde então têm sido fundados em todo canto do mundo pelos emissários do Rebe. Elementos dessas palestras, bem como várias outras palestras nas quais o Rebe discutiu o conceito de “vida como produtividade”, também foram incorporados nesse esforço. O próprio Rebe foi um exemplo da perspectiva da Torá sobre ”aposentadoria” que ele apresentava. Ele celebrou seu 70º aniversário iniciando o estabelecimento de 71 novas instituições educacionais e sociais, praticamente dobrando o alcance de Chabad-Lubavitch no mundo. Em seu 80º aniversário, ele novamente sugeriu uma vasta expansão das atividades Chabad num discurso de seis horas que terminou após as 3 da manhã, e em seguida o Rebe distribuiu pessoalmente um presente- uma edição especia do clássico chassidico, o Tanya – para cada um dos 10.000 homens, mulheres e crianças presentes, o último participante recebendo seu Tanya às 6h15 da manhã. Embora o Rebe tivesse uma lista impressionante de realizações quando foi aconselhado a começar a “aproveitar os frutos de seus trabalhos” quando atingiu 70 anos em 1972, esses empalidecem em comparação com aquilo que ele tinha atingido aos 80 anos, que, por sua vez, são uma fração do âmbito de suas atividades aos 90 anos. Cada ano trazia a revelação de novas dimensões à sua filosofia e visão do mundo, novas campanhas e iniciativas, novos centros Chabad, escolas e comunidades no mundo inteiro. Também nos anos 1992 e 1994, enquanto estava fisicamente abalado pelo forte ataque que sofreu em março de 1992, ele continuou a liderar o movimento Chabad, emitindo diretivas para seus 3.000 emissários no seis continentes e os milhares que o procuravam em busca de guia e orientação.

Simon Jacobson

Rabino Simon Jacobson é autor do campeão de vendas Rumo a Uma Vida Significativa: A Sabedoria do Rebe (William Morrow, 1995), e fundador e diretor do Meaningful Life Center.

Fonte: https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/4152253/jewish/Envelhecer.htm