A GUERRA DE ISRAEL CONTRA O HAMAS E A POSIÇÃO DO PROFESSOR CELSO LAFER – POR LIONEL ZÁCLIS
Sempre admirei e procurarei continuar admirando o ilustre Professor Celso Lafer, exemplo de diplomata, sempre muito lúcido em suas asserções. No artigo publicado no Estadão de domingo, 21 de setembro de 2025, após asseverar que a “diplomacia de combate” propende à “ascensão aos extremos”, expôs dois exemplos: (i) a guerra de conquista provocada pela Rússia contra a Ucrânia, cuja motivação é de público e notório conhecimento. (ii) a transformação da guerra de Israel contra o Hamas em algo ofensivo às normas do direito humanitário.
Óbvio que concordo com o primeiro exemplo, mas, mais óbvio ainda, que discordo do segundo. A guerra que Israel foi constrangido a travar contra os terroristas “proxies” do Irã, iniciada pelo Hamas e secundada pelo Hezbollah, pelos Houthis, tudo simultaneamente, não pode, de modo algum, ser considerado algo que ofenda às normas do direito internacional humanitário. Como qualificou um bom amigo, colocar a agressão russa à Ucrânia objetivando a conquista territorial ao lado do sacrifício da defesa de Israel para continuar a existir, é perder de vez o senso de medida. Jamais poderiam ser elencados, em pé de igualdade, como exemplos de uma “diplomacia de combate”.
O articulista refere-se ao que denomina “uma reação cega e desmedida de Israel, do governo Netanyahu”, acrescentando que “Essas ações transformaram um direito de defesa no ilícito do desrespeito em larga escala ao direito humanitário, com incidência nas normas do Direito Internacional Penal e impacto desestabilizador no Oriente Médio”.
Sem prejuízo da admiração que nutro pelo conhecimento jurídico do Professor Lafer e por suas inegáveis qualidades diplomáticas, sinto afirmar que, neste ponto, lhe falece razão por completo. Sem entrar em considerações a respeito dos aspectos ideológicos que ressaltam de sua crítica, feitas, aliás, a um governo composto por pessoas legitimamente eleitas num país democrático, não se pode ignorar que, no caso, não se trata simplesmente de um “direito de defesa”, propriamente dito, cujo exercício devesse ser paralisado no momento em que se conseguisse restaurar a cerca divisória entre Gaza e Israel e identificar os perpetradores das inauditas selvagerias praticados pelos terroristas no 8 de outubro de 2023, mas do dever irrecusável de seguir avante em face da imperiosa necessidade de salvaguardar a própria sobrevivência do Estado e dos seus cidadãos contra terroristas que se organizaram durante anos a fio objetivando eliminar Israel do mapa e assassinar ou escravizar todos quantos se recusem a se converter ao islamismo ou a se tornar “dhimmi”, judeus ou simplesmente não islamistas.
Com os bilhões recebidos da ONU e de outros países, ao invés de governarem Gaza com o propósito de melhorar a vida do povo em meio ao qual vivem, construíram verdadeiras fortalezas subterrâneas para se protegerem e passaram a enviar milhares de mísseis em direção a Israel. O infame 7 de outubro de 2023, de tristíssima memória, foi apenas um aperitivo do que essa corja planejou e continua a planejar em relação aos israelenses e aos judeus em geral. Quem tem olhos de ver, constata, sem maior dificuldade, que se trata de uma guerra de salvação nacional que Israel foi constrangido a lutar contra assassinos enlouquecidos por quem os “educou” desde a infância, neles incutindo um ódio incontido a Israel. Assassinos que instalam lançadores de foguetes em casas, escolas, hospitais e outros estabelecimentos públicos, colocando civis em risco, propositalmente, sem a menor consideração com suas vidas e sua integridade física. Israel vê-se obrigado, em defesa, a atacar tais lugares, não sem antes fazer o máximo possível para evitar atingir os civis, sendo absolutamente inquestionável que a Convenção de Genebra considera legítimos tais alvos quando o inimigo os utiliza para fins militares. É fato público e notório que o Hamas obriga civis a permanecer, como escudos humanos, em locais de importância estratégica para fins militares. A proteção dos hospitais, por exemplo, deve ser ininterrupta (IV Conv., art. 19), a menos que utilizados fora de seu dever humanitário, visando a atingir o inimigo, cessando a imunidade caso desrespeitados alertas com tempo razoável para evacuação (IV CG, art. 28).
Criticar realidades a mais de dez mil quilômetros dos locais dos fatos, tomando conhecimento delas por meio de notícias divulgadas pela mídia nacional e internacional engajadas, ou mesmo em virtude de desamores ideológicos, considerando-se aptos a emitir opiniões e juízos de valor sobre matérias cujo conhecimento obtêm assim superficialmente, servindo como verdadeiros inocentes úteis, chegando, não obstante, a se sentir habilitados a oferecer conselhos de ordem moral, não é difícil. Difícil mesmo, como Max Radford declarou numa candente peroração publicada no Instagram, e dirigida a políticos, comentaristas de mídia, acadêmicos, estudantes, confortavelmente instalados nos seus parlamentos, redações, escolas e universidades nos países ocidentais, é enfrentar uma guerra de sobrevivência e de salvação de seu país. Diz ele: “Após mais uma noite num abrigo contra bombas, posso lhes dizer o seguinte: Israel não precisa da permissão do mundo para defender-se. A menos que conte mais de 80 anos de idade, vocês nunca enfrentaram uma guerra, nunca tiveram que passar uma noite num abrigo contra bombas, encolhidos ao lado de seus filhos, enquanto seu país é atacado. Nenhum país no Ocidente enfrentou guerra em seu próprio solo [exceção à Ucrânia], isso sem falar no bombardeio diário da população civil, por inimigos que juraram por sua aniquilação. O que vocês sabem exatamente a respeito de viver sob constante fogo de foguetes? Vocês nunca viram seu povo sendo massacrado, estuprado, sequestrado por terroristas que juraram sua total destruição! Nunca testemunharam um regime genocida precipitando-se no desenvolvimento de armas nucleares, cujo alvo prioritário é o seu país! Portanto, não repreendam Israel por não exercer auto-contenção ou por não desescalar! Isto não é uma guerra entre iguais! É uma luta entre civilização e barbárie! É uma guerra entre sobrevivência e aniquilação, entre o Bem e o Mal! E o Bem precisa e deve vencer! Ele irá vencer! Israel permanece forte! Ele não necessita da autorização de vocês para sobreviver!”.
Enfim, confesso ter sentido dificuldade para conseguir entender como o Professor Celso Lafer, grande humanista, grande diplomata, grande conhecedor do Direito Internacional Humanitário, alguém que contribuiu tão proficuamente para o enfrentamento do antissemitismo (lembro-me, a propósito, de sua fundamental participação no famoso caso Ellwanger, junto ao STF) venha, agora, a dar munição a antissemitas, que se escondem sob a capa de antissionistas! Antes de criticar o governo de Israel, entendo, com todo o respeito que me merece o professor, conveniente informar-se melhor sobre os reais objetivos dos inimigos, que é a destruição de Israel, sobre o califado que o Irã pretende instalar na região, com a introdução da “sharia”, sobre os terroristas que pretextam ser meramente territorial a guerra contra Israel; e, de outro lado, como, de fato, agem as Forças Armadas de Israel, qual sua ética militar, qual a disciplina da Convenção de Genebra a respeito do uso de locais, em princípio imunes, como casas, escolas, hospitais, com a finalidade de atacar o inimigo. Confesso, com tristeza, que a única explicação que me vem à mente é o possível constrangimento em que se encontra para não ficar mal perante seus pares.
Lionel Zaclis
Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e atuando nas áreas de Contencioso, Contratos, Direito Econômico e Empresarial, Lionel Zaclis é Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, Mestre e Doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.