PAIS NEURÓTICOS, CRIANÇAS NERVOSAS, PESSOAS EM RISCO! – POR IVONE ZEGER

Embora seja bastante compreensível que os casais tenham seus problemas ampliados em meio ao convívio intenso dentro de casa, também é fato que essa mesma convivência pode revelar aspectos positivos de ambos e da relação.

A extensão da crise econômica provocada pela Covid-19 e as medidas de isolamento para conter a pandemia são apenas parcialmente conhecidas até agora; sabe-se, entretanto, que serão bem desastrosas; por exemplo, cerca de 7,8 milhões de vagas de trabalho deixaram de existir no Brasil até maio deste ano, de acordo com o IBGE. Além da economia, outro aspecto que vem chamando a atenção de pesquisadores do momento atual é o número crescente de divórcios. As causas são até conhecidas: o convívio familiar intenso, por causa do home office e das crianças sem aulas presenciais, as mudanças repentinas e forçadas de hábitos, o impedimento a passeios e viagens de férias. Para muitas pessoas, dizer que abriram as portas do inferno faz todo o sentido.

Esse contexto é como uma faísca incendiária em duas questões já polêmicas no dia a dia do Direito de Família: a obrigação de alimentos e a guarda dos filhos. De fato, a obrigação de alimentar os filhos é algo tão natural e óbvio, e as leis que norteiam essa obrigação são tão explícitas, que não deveria haver qualquer polêmica. Quando há filhos, quem paga e o quanto paga de pensão alimentícia são determinações que devem constar nos acordos de divórcio ou dissolução de união estável. A pensão alimentícia deve cobrir todas as necessidades das crianças e jovens. Há tempos, cunhei a sigla MALTES, em que cada letra aponta uma necessidade, facilitando a compreensão da amplitude da pensão alimentícia: Moradia, Alimentação, Lazer, Transporte, Educação e Saúde. A obrigação prevalece até o jovem completar 21 anos ou com o término de curso superior, dependendo de acordos firmados.

Não é fácil definir acordos de pensão alimentícia quando um dos pais está desempregado ou sem recursos, mas a perda de emprego ou de contratos, no caso de autônomos, não isenta os pais da obrigatoriedade de prestar alimentos. Aos que têm essa responsabilidade espera-se que alguma reserva monetária tenha sido providenciada para dias mais difíceis. Afinal, casados ou não, morando com filhos ou não, a vida segue e as demandas dos filhos também. No Brasil, o direito de filhos menores a receber pensão alimentícia precisa da força da lei e, como se sabe, ainda que exista previsão de detenção para pais inadimplentes, os casos de não pagamento são recorrentes. No País, o abandono afetivo e material dos filhos envolve os aspectos cultural e econômico. No contexto atual somam-se os fatores e a situação pode se agravar. Importante lembrar, também, que divórcios e separações demandam recursos extras com a montagem de outro lar, além de um novo lote de contas para pagar.

Aos pais e mães que já estavam divorciados e estão fazendo contas que não fecham, ou seja, com dificuldades para o pagamento da obrigação alimentar, ou, ao contrário, que perderam renda de fato e acreditam que o outro genitor esteja numa situação financeira melhor, com perspectivas de ganhos mais seguras, é possível recorrer ao pedido de revisão de pensão, com o objetivo de diminuir ou aumentar valores acordados.

Em relação à guarda das crianças, as duas modalidades de guarda mais comumente aplicadas são a unilateral – em que um dos genitores tem toda a responsabilidade legal sobre a criança e reside com ela – e a compartilhada, em que os dois genitores são os responsáveis legais e a criança tem residência fixa com um deles. Nas duas modalidades, a criança convive com o outro genitor nos dias e horários acordados. A questão é: como estipular e cumprir o regime de guarda, as datas e o horário de visitas ou convívio, em meio a um isolamento social em que um dos maiores problemas das famílias tem sido, justamente, quem fica com as crianças? Os pais, casados ou divorciados, pelo menos dita o bom senso em relação à pandemia, não podem recorrer a avós e babás. Os berçários, creches e escolas estão fechados em função das regras para evitar o contágio da Covid-19. Além disso, qualquer regime de guarda prevê o deslocamento das crianças e jovens. Esse deslocamento, mesmo se realizado em automóveis particulares os expõe, sobretudo, em grandes centros urbanos.

Ainda que se queira manter as crianças em casa e os pais se revezarem na moradia enquanto perdurar o perigo da pandemia, o risco também existe. Vale lembrar que medidas como o home office foram tomadas justamente para que as pessoas permaneçam em suas casas.

Dito assim, a separação ou o divórcio em meio à pandemia parece um contrassenso. E é justamente isso. Não só pelo risco a que ficam expostos as crianças, os jovens e seus familiares, mas também por causa da imprevisibilidade da economia. Embora seja bastante compreensível que os casais tenham seus problemas ampliados em meio ao convívio intenso dentro de casa, também é fato que essa mesma convivência pode revelar aspectos positivos de ambos e da relação. Se a hipótese mais harmoniosa não ocorreu, é tempo de refletir sobre responsabilidade, resiliência e muita paciência!


Ivone Zeger – Advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, autora das obras Família Perguntas e Respostas; Herança Perguntas e Respostas; Direito LGBTI Perguntas e Respostas – Mescla Editorial.

ivone@zeger.com.br

20
20