A PROPOSTA DE UMA ECONOMIA ANTROPOLÓGICA, PARA ADVOGADOS EXPERIENTES – POR JAYME VITA ROSO

“É típico da mente ilustrada debruçar-se sobre um pensamento sem, necessariamente, acolhê-lo” (Aristóteles, Poética)

I – Quem foi Thorstein Veblen e o que ele realizou?

O século XIX nos legou, segundo a historiografia, ícones em todas as áreas do saber: ciência, filosofia, artes e teologia. Seu alcance e variedade são inimagináveis, merecendo destaques: a criação da Associação Britânica para o processo da Ciência, em 1831, na Inglaterra, até o registro da palavra cientista em 1840, passando pelos grandes nomes como Pasteur, Gauss, Darwin e outros tantos.

No século que Victor Hugo batizou de “uma segunda Era de Ouro” (HUGO, V. Os Miseráveis, São Paulo: Cosacnaify, 2002, p. 766), alguns nomes foram, injustamente, relegados ao obscurantismo. O trabalho de trazer à tona alguns destes pensadores poucos visados e, consequentemente, pouco estudados pelo orgulho, vaidade e inveja dos acadêmicos, é imprescindível, ainda mais nos dias de hoje em que tão pouca atenção é dada ao conhecimento sério, honesto, desprendido e não ideológico.

Pensando nisto, fortuitamente, me deparo com excelente artigo publicado no The New York Review, escrito por Kwame Anthony Appiah (filósofo e escritor anglo-ganês, especializado em estudos culturais e literários. Atualmente é professor na Universidade de Princeton), que versa sobre Thorstein Veblen, economista behaviorista que deveria figurar como nome essencial para a intelligentsia contemporânea, mas, infelizmente, por motivos alegados e apontados, acabou negligenciado pelo grande público e, por espanto e pesar, por nossos economistas e chefes de estado.

Se, na arquitetura, o Concreto Armado de Joseph Monnier revolucionou a construção civil, na economia Veblen revolucionou o conceito de psicologia evolucionária, pois no direito processual – garantidor dos direitos fundamentais – virou um labirinto onde habitam minotauros. Seus textos esbanjam lucidez e nos impressiona por anteciparem, há mais de um século, uma miríade de questões que hoje nos atormentam, por exemplo: 1) o capital de finanças enquanto modelo que é devedor da eficácia dos instrumentos de crédito; 2) o patriarcado como um sistema centrado na guerra, propriedade privada e controle sobre o corpo feminino; 3) elaboração de ideias feministas com a ascensão das mulheres.

Veblen pressagiou até mesmo quiçá a queda de Trump, ao asseverar que “realmente, um grau de exuberância pueril emparelhada com a truculência de uma criança de temperamento explosivo pode vir a ganhar afeição pública” (The New York Review, de 14 de jan. de 2021, p. 51).

O alto custo de suas brilhantes reflexões não poderia ter sido outro senão o ostracismo intelectual. Veblen ajudou a formar a visão de mundo, munido de juízos originais e contundentes, mas a visão que alguns críticos lhe emplacaram foi a distorcida, sempre malévola.

Por gerações, sua obra foi marginalizada, tomado como um imigrante que vivia em absoluta pobreza, excêntrico e outsider acadêmico, que tecia críticas ao sistema educacional apenas por ser excluído dele.

Essa perspectiva denigre a vida de Veblen, tendo sido popularizada por um de seus opositores em biografia póstuma, publicada em 1934 e escrita por Joseh Dorfman. Apenas na década de 90, através de árduo trabalho revisionista, a visão tendenciosa sobre Veblen teria sua guinada: Veblen: the making of an economist who un-made economics (Harvard University Press. 2020), de Charles Camis, rearranjou a vida pessoal e profissional de Veblen, como lhe fez jus ao grande pensador econômico que era.

Veblen graduou-se em John Hopkins, onde estudou filosofia e economia política, vindo, mais tarde, a formar-se em Yale, onde se formou doutor em filosofia em 1884. Casou-se em 1888 com Ellen Rolfe. Contraiu de malária logo em seguida.

Apesar da saúde precária, terminou seus estudos em 1891, mudando-se para Cornell para concluir seu segundo doutorado, desta feita em economia.

Seu trabalho, extraordinário, motivou seu orientador, ao ser contratado pela Universidade de Chicago em 1892, em trazê-lo consigo, notando seu brilhante orientando que, como colega, alçou parelha ao mestre. Veblen residiu em Chicago por mais uma década, época que se mostrou a mais frutífera da carreira do pensador, pela qual seria lembrado. Aliás, Chicago, Illinois, é um marco decisivo na intelectualidade americana.

II – Teses e argumentos propriamente ditos? Quanto valem ser lembrados!

Veblen é considerado o pai do institucionalismo na economia, ou o que entende a ciência econômica como uma complexa rede de instituições e costumes, hábitos e tradições, e não apenas como um conjunto racional direcionado aos interesses individualistas do tecido social.

Aliás, é digno de nota que sua tese econômica gira em torno da noção de uma economia antropológica e, para sustentar sua criação inovadora, estudou minuciosamente tribos distantes e desconhecidas.

Provando-se um “economista iconoclasta” por não aderir aos termos mainstreams do conhecimento econômico de sua época, Veblen publicou sua grande obra A theory of the leisure class: an economic study of institutions (Createspace Independent Publishing Platform, 8 maio 2018) em 1899. Nesta obra, além dos preceitos supracitados, figura também justo apelo a uma economia mais humana, que ampare os mais necessitados e lhes dê meios de subsistência mínima, chegando ao ponto de trazer à tona, algo que, mais tarde, seria abarcado pelos movimentos sociais feministas, a ideia de ‘emancipação do trabalho’. Ou seja, o New-woman movement era indissociável de suas conquistas teóricas ao desnudar as mazelas e horrores do início do século XX, em especial no tocante à pobreza e desemprego. Tudo sustentado com lucidez, não como palanque.

Crítico ferino dos rumos para os quais o grande Capital estava caminhando – se os donos dos meios de produção eram “parasitas”, como versavam os anti-economistas de sua época, então o capital de crédito, que estava a suplantar as fábricas, segundo Veblen, seriam parasitas de parasitas, pois o próprio elemento mais básico do capital estava sumindo: o trabalho – , isto é, o detrimento da produção pela especulação abstrata, hoje financeira, tecnológica.

Sua luta contra o dogmatismo acadêmico é inspiradora, ensinando-nos a não ceder e tramitar com interesses escusos e que, como Veblen, em sua robusta produção teórica (que não deixa a dever aos grandes clássicos da econômica como Adam Smith, David Ricardo, escola austríaca ou Marx) mantém sua coragem e sua dignidade, mesmo enfrentando descrédito e desprezo de seus adversários (Há apenas trinta anos, conseguiu ter sua vida e obra limpas, justiça feita aos intelectuais com escrúpulos, que ainda existem nas Universidades), a verdade tende a prevalecer no fim.

E por falar em verdade, a economista (mulher arretada) Stephanie Kelton, recém criou e deu alicerces à moderna teoria monetária e o renascimento da economia do povo (The Deficit Myth, Nova Iorque: PublicAffairs, 2020).

E, por dever de ofício, alinho outros expoentes da área da ciência econômica norte americana que lhe dão respaldo: David Ley, Mohammed el Arian, Naomi Klein, Mariana Mazzucato, John Harvey, Paul Allen, Frank Newmann.

Proponho aos advogados, mormente aos que tem vocação política, que se delineiem nestas linhas para alinhar seu comportamento ao Brasil de J.K..


JAYME VITA ROSO – Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é especialista em leis antitruste e consultor jurídico de fama internacional, ecologista reconhecido e premiado, “Professor Honorário” da Universidade Inca Garcilaso de La Vega de Lima, Peru e autor de vários livros jurídicos. Saiba mais.

vitaroso@vitaroso.com.br

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