Bicentenário da Independência do Brasil (1) – por Felipe Daiello
Comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil
Capítulo 1: os primeiros passos
Apesar da importância, por motivos ideológicos, o evento não recebe a divulgação necessária por parte da mídia tradicional, inclusive algumas vozes, em protesto, procuram apagar ou desmerecer os fatos que transformaram a colônia portuguesa, inicialmente conhecida como Terra da Veracruz, Terra dos Papagaios e Terra do Pau- Brasil , numa das maiores economias do Mundo globalizado da atualidade. No início, a passagem de Pedro Alvares Cabral, em 1500, numa armada destinada a Calicute, nas Índias alcançadas por Vasco da .Gama, não houve o devido interesse em colonizar as novas terras. Na época o maior interesse da Coroa Portuguesa estava voltado para consolidar a sua posição no Mar Indico , o que a levava a combater as forças muçulmanas que dominavam a rota das especiarias. O senhor desse novo caminho, tendo o monopólio do comércio, ao alterar a antiga rota que cruzava desertos , fronteiras , múltiplos pedágio até alcançar Constantinopla , no Mediterrâneo , para depois encontrar Veneza e Genova, como portos intermediários iria transformar o porto de Lisboa no mais importante da Europa.
Começa a grande diáspora portuguesa, epopeia que vai sangrar o pequeno Reino Luso; espremido entre o oceano desconhecido e o agressivo Império Espanhol que, desde a queda de Granada e da expulsão dos mouros, unificado, encontrara o seu destino e futuro no caminho descoberto por Cristóvão Colombo. Com pequena população ,pouco mais de um milhão e meio de almas , o desafio a vencer exigia a concentração de energias e de recursos na expansão, na consolidação de caminho alternativo. Bases de apoio, de aguadas. de fortificações eram essenciais. Depois de conquistar Cochim, de avançar para Goa, era necessário eliminar a frota naval muçulmana que dominava aquelas áreas e destruir as bases e as fortalezas existentes, sem descurar e obter locais onde estocar as preciosas especiarias , que chegariam a Lisboa nas armadas anuais ao retornar, trajeto que dependendo da boa vontade dos deuses dos ventos levava mais de ano. Em 1511, ao tomar o controle de Malek, o principal baluarte malaio, façanha saudada por badalos dos sinos da Europa, Portugal avançará para as Molucas, para Hong Kong , para Macau, para Formosa , para a China e mesmo para o misterioso Japão. As naus portuguesas , com seus castelos de popa e seus canhões de nova geração superavam as galeras mulçumanas. Impondo as cruzes vermelhas das suas velas como padrão de domínio, nas entre vagas e ondas surge personagem que vai alterar o mundo, Fernando de Magalhães.
A Colônia da Terra da Santa Cruz, meio abandonada, apenas ponto de passagem, aproveitando as correntes favoráveis pelas armadas anuais ,desperta a cobiça de nações europeia; piratas e corsários chegam no imprevisto, para buscar as cores do pau-brasil. Mem de Sá primeiro governador geral estabelece em Salvador a nova capital, iniciando a colonização efetiva das terras donatárias, implantando a cultura da cana de açúcar em 1549. A França tenta implantar colônia huguenote na região do Rio de Janeiro, seria a França Equatorial, projeto, que durou quase 10 anos e que foi destruído por Estácio de Sá que expulsa os invasores de forma definitiva e aniquila os seus aliados tamoios entre 1565 e 1567. Depois da cana de açúcar a primeira atividade, vem a criação de gado, a do algodão, depois o ciclo do ouro, o dos diamantes para a seguir as grandes plantações de café mudarem a paisagem e a economia colonial. A povoação do Brasil começa pelo litoral, aos poucos entradas e bandeiras avançam para o interior deslocando as fronteiras para além dos limites do Tratado de Tordesilhas, para depois em 1750 o Tratado de Madri duplicar as dimensões do Brasil .Nesse panorama, alvarás e decretos proíbem a produção de bens que competem com a produção do reino. Industrias, tipografias, faculdades não são permitidas. Atraso total.
Só a partir de janeiro de 1808 com a chegada do Príncipe D. João VI com toda a sua corte que fogem da invasão das tropas francesas comandadas por Junot com o objetivo e eliminar a dinastia dos Bragança e obrigar a Portugal a apoiar a bloqueio comercial contra a Inglaterra, além de confiscar o tesouro real, a situação começa a mudar. Em Salvador , o primeiro local de arribada, em 28 de janeiro de 1808, o príncipe D. João VI declara a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, o que vai acelerar comércio com a colônia e aumentar as rendas da alfandega. Depois, o Rio de Janeiro, capital da colônia será o local onde a corte vai se instalar de modo precário. Não havia nenhuma infraestrutura adequada para alojar quase 10 mil pessoas e o príncipe regente está no comando, pois sua mãe, a rainha Maria I, fora considerada insana após a morte do marido e do filho mais velho e D. João VI era o sucessor por direito.
O príncipe D. João VI, considerado o rei fujão em Portugal, agora livre para decisões, precisa tomar medidas para tirar a colônia do atraso secular. Já em Salvador cria a primeira Faculdade de Medicina e anula atos que impede a industrialização do seu novo reino, No Rio de Janeiro, cria a tipografia real, a fábrica de pólvora, a biblioteca real, cria banco para cunhagem de moedas de ouro, proibindo a circulação do ouro em pó nos negócios. Agora todos os recursos amealhados ficam no Brasil o que financia os seus projetos para desenvolver os seus planos: escolas militares, incentivo à navegação costeira, aos estaleiros, o jardim botânico, a escola naval ,outra faculdade de medicina, ampliação de hospitais, novas construções; o Rio de Janeiro como sua capital demanda reformas urgentes. Empréstimos ingleses alavancam o desenvolvimento.
Em 16 de dezembro de 1815, ao elevar o Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves, o segundo passo para a nossa emancipação ocorre. Com regente real presente, a transformação política da colônia não segue o que ocorre na América Espanhola com revoltas sangrentas por todas as fronteiras, cortando os laços com a Espanha com rei desconhecido. Com a morte da insana Dona Maria I em 20/02/1816, agora, D. João VI, como sucessor vai assumir a coroa real dos Reinos do Brasil, de Portugal e do Algarves. Sua aclamação só ocorrerá apenas em 1818. Outra preocupação de D. João VI era conseguir esposa adequada para o seu filho D. Pedro I, jovem criado com excessos de liberdade. Era importante encontrar na Europa candidata da realeza, ainda mais que o pesadelo napoleônico desaparece depois da batalha de Martelo em 1815 , com o exilio de Napoleão I para a ilha de Elba. O Marques de Marialva, com amplos recursos em dobrões de ouro, pesquisa as candidatas até encontrar a arquiduquesa austríaca Carolina Josefa Leopoldina Francisca de Habsburgo-Lorena que pelas suas raízes e conhecimentos será a escolha mais adequada para o futuro do Brasil.
Mesmo com o exemplo da Independência Americana e os reflexos da Revolução francesa, o Brasil continua unido em torno do seu rei, mesmo com pequenas querelas internas. O espírito de nacionalidade é embrião que não para de crescer e mesmo os imigrantes que chegam já estão contaminados por fervor pátrio, onde a nova bandeira desperta emoções. O passo definitivo para a nossa separação de Portugal foi dado.
Após a usual troca de imagens, de retratos, o contrato de casamento, com todos os protocolos, é celebrado por procuração em 29/11/1816 enquanto o casamento realizado na Catedral de Viena, em maio, D Pedro I, como noivo, foi representado por parente da noiva. Desde o início Maria Leopoldina como será conhecida no Brasil, apaixona-se pelo moreno e garboso D. Pedro I; começa aprender o português e a estudar fatos sobre a nação onde iria viver e onde seus filhos herdariam reino com dimensões continentais. O cortejo da noiva com toda sua equipagem segue até o porto de Livorno, onde a Nau D. João VI a levará até o Rio de Janeiro. Sua chegada ao Rio de Janeiro, em 5 de novembro de 1817, é comemorada, com grandes festejos, missas e desfiles públicos. O pintor Debret que acompanha Maria Leopoldina, nas suas pinturas vai imortalizar fatos da vida da princesa e do Brasil.
Em 6 de fevereiro de 1818, ocorre tão esperada aclamação de D. João VI como rei do Brasil, de Portugal e dos Algarves. Algo inédito nas Américas , com festejos que duram dois dias e que mobilizam todo o Rio de Janeiro e vizinhanças. Com nova iluminação, com decoração criada por Debret, a cidade agora recebe destaque nas Américas, com o porto mais movimentado do hemisfério sul. Além de touradas, de fogos de artifício, o plano de D .João VI de criar novo e poderoso reino, tendo ao lado seu sucessor agora com consorte imperial , traz estabilidade política a um Brasil emancipado , mesmo contrariando as autoridades das Cortes portuguesas de Lisboa que exigiam o retorno de toda a família real. Na realidade o Brasil não era mais uma colônia dependente, superava a antiga metrópole, agora empobrecida, com menor população e prestígio. Mesmo com o exemplo da Independência Americana e os reflexos da Revolução francesa, o Brasil continua unido em torno do seu rei, mesmo com pequenas querelas internas. O espírito de nacionalidade é embrião que não para de crescer e mesmo os imigrantes que chegam já estão contaminados por fervor pátrio, onde a nova bandeira desperta emoções. O passo definitivo para a nossa separação de Portugal foi dado.
Apesar dos comentários maldosos, considerado indeciso e fraco, D. João VI age com cautela e visão de futuro. Sabe que será impossível dirigir dois reinos tão distante e que o Brasil pelas suas dimensões irá com o tempo alcançar supremacia numa América Latina Espanhola fragmentada e com guerras de fronteiras entre si. Com visão expansionista invade a Guiana Francesa para tomar posse de experiências agrícolas avançadas, principalmente com a cana de açúcar caiena e de especiarias em aclimatação. Depois volta a sua atenção para as fronteiras sul do Rio Grande, onde vai recuperar a Colônia do Sacramento e a cidade de Montevideo, que no futuro irão constituir a Província Imperial da Cisplatina.
No próximo episódio , apresentarei os passos tomados até o grito do Ipiranga em 1822, bem como a atuação da princesa Maria Leopoldina no evento. Aguarde.
FELIPE DAIELLO
FELIPE DAIELLO – Professor, empresário e escritor, é autor de inúmeros livros, dentre os quais “Palavras ao Vento” e ” A Viagem dos Bichos” – Editora AGE – Saiba mais.