Em defesa do espaço público – por Marcelo Itagiba
O que temos, inaceitavelmente, é um triste festival de desrespeito às leis. São ruas e calçadas mal conservadas e esburacadas em decorrência do abandono pelo poder público, que não cumpre a sua missão de investir na modernização e na preservação do espaço público.
O espaço público, como a própria expressão já diz, pertence a todos. Portanto, deve ser tratado com zelo e segurança para propiciar a saudável convivência social entre os moradores da cidade. Afinal, como o ser humano é eminentemente social, a preservação dos espaços comuns é indispensável a um convívio marcado pelo respeito a princípios civilizatórios. “Quem não pode viver em sociedade ou não necessita de nada, por se bastar a si mesmo, é um bruto ou um Deus”, afirmou o filósofo grego Aristóteles.
A vida em sociedade exige civilidade e cumprimento das normas de conduta necessárias à contenção do egoísmo, sentimento presente, em maior ou menor escala, em qualquer pessoa e que tende a ignorar os direitos dos demais semelhantes. “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro”, sentenciou o filósofo inglês Herbert Spencer.
Tem sido cada vez mais flagrante nas grandes cidades a ausência de normas básicas de educação, urbanidade e boa convivência. Em grande parte, essa lamentável situação decorre da negligência das autoridades, que têm o dever mas não se sentem instadas a garantir que as ruas, as calçadas, as praças e as avenidas sejam espaços públicos a serem frequentados com satisfação e segurança pela população.
O que temos, inaceitavelmente, é um triste festival de desrespeito às leis. São ruas e calçadas mal conservadas e esburacadas em decorrência do abandono pelo poder público, que não cumpre a sua missão de investir na modernização e na preservação do espaço público. Pelas ruas e calçadas trafegam bicicletas e motocicletas, irresponsavelmente e muitas vezes criminosamente, ignorando pedestres e a mão do trânsito. Nesse cenário caótico, os sinais de trânsito, que nos mais das vezes não funcionam e estão mal sincronizados, são meras sugestões de comportamento criminosamente desprezadas por condutores de bicicletas, motos, carros, caminhões e ônibus que põem em risco as suas vidas e as dos demais motoristas e pedestres.
As desastrosas consequências econômicas provocadas pela recessão proveniente da pandemia e pela inflação descontrolada que hoje bate às portas da população levaram a um aumento considerável de moradores de rua. São centenas de pessoas relegadas ao abandono, inclusive crianças, forçadas a viver nas ruas sem alimentação ou escola. Moradias são improvisadas nas calçadas, praças, sob viadutos e nas passagens de pedestres dos túneis. Lixo e excrementos estão espalhados pelo caminho. Uma combinação desumana de desolamento social e sensação de insegurança.
São muitas as organizações do Estado responsáveis pelo zelo e pela segurança nos espaços públicos. Entre elas, as guardas municipais, as polícias civil e militar, e as pastas destinadas à limpeza urbana e à assistência social. Todas deveriam agir com planejamento, de forma preventiva, repressiva e conjunta, para proporcionar a ordem, a paz, a urbanidade e a segurança pública.
Nota – Artigo publicado no jornal O Globo
Marcelo Itagiba é delegado da Polícia Federal aposentado e foi secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro.