Como falar para influenciar os outros – Por Simon Jacobson
Quem não fica tentado a criticar alguém que está se comportando de forma inadequada? E quem de nós não se sente extremamente culpado após falar duramente com um ente querido?
Mas será que nossas duras palavras alguma vez conseguiram causar reação, algum impacto em alguém? Será que elas conseguiram inspirar ou motivar uma pessoa a crescer ou a mudar?
Na sequência da morte do Osama bin Laden, somos lembrados da longa história de violência religiosa, agressão perpetrada em nome da fé, que em nossos dias vêm à tona em forma de fundamentalismo muçulmano. Uma das coisas terrivelmente mistificadora sobre Osama bin Laden e a Al-Qaeda e a base religiosa do terrorismo em geral – e que é claramente omitida nas matérias que aparecem em nossos jornais, telas, sites e redes sociais – é o seu modus operandi: a necessidade de utilizar retórica agressiva e violência para atingir seus objetivos religiosos.
Em contraste, a porção desta semana da Torá nos ensina uma alternativa original – o modus operandi de como influenciar os outros. Este método – uma abordagem orientada pelo amor e sensibilidade – foi corajosamente disseminada pelo Baal Shem Tov, que desafiou os pregadores de sua época que costumavam repreender severamente seus ouvintes.
Repreender ou ignorar? Lutar ou aceitar?
Quando assistimos a uma transgressão nosso primeiro impulso é de repreender o infrator e punir o agressor. Outros optam pelo outro extremo: negar ou ignorar o problema.
Em uma escala maior e a um nível mais extremo, esta pergunta tem atormentado a religião desde o seu surgimento: De que forma as autoridades religiosas devem se dirigir aos pecadores? Com agressividade e punição ou com um outro olhar? Como a fé levou ao pecado? Através de aniquilação ou tolerância? Como devemos confrontar o mal? Através de ódio e de guerra, ou através de Ghandi – como a oposição passiva?
O mesmo pode ser solicitado do educador e dos pais: Como disciplinar uma criança ou aluno rebelde e desobediente? Com a punição ou com a passividade? Com severidade ou leniência? Devemos ser inflexíveis ou aceitar?
Mas existe uma outra alternativa? Há uma outra forma de solucionar o problema sem recorrer à força negativa? Uma maneira de ser gentil, sem comprometer fortes valores?
Uma terceira abordagem
A parashá da Torá desta semana, Emor, nos oferece uma terceira abordagem.
Inicia com as palavras: “Fala … e você deve dizer-lhes.” Nossos sábios associam este mandamento com a obrigação de educar. A redundância – “falar” e “dizer-lhes” – nos informa, diz o Talmud, “ de advertir os adultos no que concerne às crianças” 1 A palavra hebraica para “cuidado” – lihazhir – possui a mesma raiz da palavra zohar, que significa “esplendor”. Também a palavra “falar” aqui utilizada é Emor (ao invés de daber), que significa falar suavemente de forma agradável. 2
Isso transmite uma lição fundamental sobre a educação, especialmente a educação religiosa. Temos de falar baixinho e gentilmente com nossos filhos e alunos, educá-los sobre os perigos da vida, mas de uma forma que irradie as belezas da vida.
Disciplina é o componente mais essencial na educação. Uma criança disforme e impressionável precisa de direção e orientação para tornar-se um adulto saudável e virtuoso. A disciplina ajuda a evitar os perigos e armadilhas do nosso próprio egoísmo.
No entanto, quantas vezes assistimos – e quantos de nós fomos feridos, até mesmo danificados – por disciplina desprovida de amor? Especialmente no mundo religioso, como muitos de nós têm sido afetados pela dogmática disciplina conduzida pelo temor? Temos testemunhado os efeitos psicológicos devastadores de muitas pessoas que crescem em lares e escolas, onde foram doutrinados com sentimento de medo e culpa, e ameaçados com a ira de D’us.
Educar com Amor
Mas a Torá nos diz claramente – na verdade, nos manda – a educar nossos filhos com brilho e amor. Disciplina é necessária, mas como uma dimensão de bondade, esplendor e amor.
Da mesma forma que ocorre no microcosmo acontece no macrocosmo – na natureza da religião: a fé apaixonada pode se transformar em dogma e intolerância. Devemos estar tentos para que o caminho da fé seja repleto de amor e inspiração.
Emor se opõe completamente aos métodos violentos e de intolerância de coerção religiosa de Bin Laden. A Parashá nos ensina que devemos sempre aproximar a fé com gentileza e amor. E essa é a melhor maneira de influenciar as pessoas, mesmo os infiéis.
O Baal Shem Tov se opõe a repreender
Este método enfatizado em Emor – o de falar suave e gentilmente – foi resumida pelo Baal Shem Tov, que inflexivelmente desafiou os pregadores de sua época que repreendiam severamente seus ouvintes. Muitas histórias com o Baal Shem Tov atestam esse fato.
O Baal Shem Tov ensinou:
Uma pessoa deve repreender com amor, conforme fala o versículo: “D’us castiga a quem ama.” 3 No entanto, alguém que procura engrandecer-se admoestando aos outros, ou que repreende apenas para obter seu sustento e tenta despertar a audiência com uma voz de lamento, como aludido no versículo 4, “Minhas lágrimas eram o meu pão”, desperta o julgamento negativo contra o povo judeu, conforme o verso, “D’us enviou serpentes venenosas contra o povo” 5, que refere-se a dois tipos de exortadores.
Isso pode ser compreendido através da seguinte parábola:
Um rei expulsou seu filho único de sua presença, enviando dois de seus servos para manter um olho nele. Após um tempo, um dos servos voltou e caluniou o príncipe a seu pai descrevendo seu mau comportamento. O segundo servo também retornou com o mesmo relatório, no entanto, ele mencionou que a mesma dor do pai era igualmente compartilhada por seu filho com a separação imposta pelo rei. Até o ponto em que o filho havia esquecido completamente como deveria se comportar, já que fazia parted a família real. Toda sua grandeza havia se transformado em desgraça e tristeza. 6 Ao ouvir as palavras do segundo servo, o rei teve compaixão de seu filho e ordenou que o buscassem de volta.
Da mesma forma, há um tipo de admoestador que fala publicamente condenando o povo judeu, despertando assim a Serpente Primordial, conforme mencionado no versículo, “D’us enviou a serpente venenosa contra o povo”, envenenando-o com suas palavras venenosas. [Além de tudo, estes pregadores eram hipócritas, pois estavam na verdade somente interessados em seu próprio benefício pessoal, apesar de alegarem estar preocupados com a honra de D’us. Em segundo lugar, estão envergonhando pessoas, enquanto que se exoneram de qualquer repreensão.] 7 No entanto, cada um deve unir-se à audiiencia, conforme a Parashá 8 “Repreende, repreende teu amigo, e não terá nenhum pecado sobre ele. “[A repetição] alude que a pessoa deve primeiro repreender a si mesmo antes de repreender o outro.
Existem três categorias [de repreendores]: ouro, prata e bronze. A palavra hebraica para bronze é nechoshet, que se assemelha a nachash, cobra. Há os críticos que despertam a dissidência, conforme mencionado: eles são “bronze”, nechoshet – cobras. Depois, há uma categoria de ouro, que representa a misericórdia.
Falando com Sensibilidade
Certo dia, o Baal Shem Tov instruiu vários de seus discípulos a embarcar numa viagem. O Baal Shem Tov não mencionou qual seria o destino, nem eles lhe perguntaram, deixando que a Divina Providência guiasse seus cavalos, confiantes de que o destino e a finalidade de sua viagem seriam revelado no devido tempo.
Após algumas horas resolveram parar em uma pousada para comer e descansar.
Os discípulos do Baal Shem Tov eram judeus piedosos que cuidavam o mais alto padrão de cashrut. Quando souberam que seu anfitrião planejava servir-lhes carne na refeição, pediram para ver o shochet. O interrogaram para verificar seu conhecimento e grau de piedade, examinaram sua faca para ver se não havia nenhum problema. Sua discussão sobre a cashrut dos alimentos prolongou-se durante toda a refeição, onde perguntaram sobre a procedência de cada ingrediente contido em cada prato que lhes era servido.
Enquanto conversavam e comiam, uma voz foi ouvida saindo atrás do forno, onde um velho mendigo estava descansando em meio a suas trouxas. “Queridos judeus”, ele gritou: “vocês são tão cuidadosos com o que sai de suas bocas quanto com o que entra nelas?”
O grupo de chassidim concluiu a refeição em silêncio. Subiram na carruagem e começaram seu retorno para Mezibush. Eles agora entenderam qual tinha sido a finalidade de seu mestre ao lhes enviarem nesta jornada naquela manhã.
O segredo para influenciar os outros
Quando jovem, o chassid Shalom Ber Gordon, perguntou certa vez ao Frierdiker Rebe como alguém deve se dirigir a outras pessoas que merecem ouvir algumas palavras fortes. “Devo usar palavras duras de repreensão?” Rabino Gordon perguntou.
O Rebe respondeu: “Desde que você viajou através da Turquia, e em tudo há um ensinamento que devemos tomar como uma lição de como servir a D’us, aprenda com o método utilizado em um banho turco. A pessoa primeiro entra no quarto quente e fumegante. Após sentir-se aquecido, relaxado, absorveu o calor e está transpirando profusamente, ele sobe na bancada ainda mais alta da sala de vapor, onde é ainda mais quente devido à temperatura. Depois ser completamente saturado com o calor, ele sai da sala e pede ao atendente para cobrí-lo com folhas de carvalho…
“É assim que devemos falar com uma pessoa, mesmo aquela que esteja precisando de alguma repreensão: Primeiro deverá aquecê-la com palavras gentis e amorosas. Então elevá-la a um plano superior. E então … ela mesma pedirá para você ‘bater-lhe’ …
Inspirando através do Amor
Testemunhando a grande destruição feita pelos fundamentalistas, que não apenas repreendem, mas também recorrem à violência para tentar impor sua fé aos outros, a lição de Emor jamais tornou-se tão essencial quanto nesta época.
Em vez de agressividade ou passividade, Emor nos convida a influenciar outras pessoas com uma aproximação suave baseada no amor, que toca seu coração ajudando a motivá-la a reparar seus caminhos e desta forma crescer.
Mesmo que a repreensão algumas vezes possa surtir algum efeito, na maioria das vezes acaba desmoralizando e quebrando uma pessoa, ao invés de motivá-la.. Assim, em última análise, a mais influente das ferramentas para mudar o mundo é a gentileza.
Fontes: Toldos Yaakov Yosef Kedoshim Keser Shem Tov, seções 131. 262.
NOTAS
1.
Talmud Yevamot 114a. Citado na abertura do comentário de Rashi na porção desta semana.
2.
Mechilta, Rashi Yisro 19:3.
3.
Provérbios 3:12.
4.
Salmos 42:4.
5.
Chukas 21:6.
6.
O relatório deste segundo servo destaca que o próprio rei, ao banir seu filho e colocá-lo no convívio com pessoas comuns é o responsável pela sua degeneração. Isto é afirmado explicitamente no Ben Pores Yosef 68d.
7.
O texto entre parênteses é encontra-se na fonte original.
8.
Kedoshim 19:17
Simon Jacobson
Rabino Simon Jacobson é autor do campeão de vendas Rumo a Uma Vida Significativa: A Sabedoria do Rebe (William Morrow, 1995), e fundador e diretor do Meaningful Life Center